XXIII

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Papai abriu a porta e Joel e sua mãe entraram. Ele estava carregando o purê de batatas intragável que sua mãe fazia todo o ano e que eu me forçava a comer para agradá-la.

Esse ano eu estava decidida a não colocar uma garfada daquela porcaria na boca.

Joel cumprimentou meu pai e logo pousou os olhos verdes e calorosos em mim. Suspirei, ele estava lindo. Usava um suéter que eu havia dado para ele em seu último aniversário, verde oliva, o que fazia seus olhos ficarem ainda mais vivos e destacava sua pele bronzeada. Seu cabelo tinha sido recentemente cortado e, embora eu preferisse o jeito desordenado que ficavam quando mais compridos, não podia dizer que o visual mais arrumado lhe caía mal. Porque Joel Clarke era e sempre seria um dos homens mais lindos sob a face da Terra.

Depois de deixar meu pai e sua mãe conversando, ele veio até mim, puxou-me para seus braços e me deu um beijo longo, ao qual não opus resistência.

– Feliz dia de Ação de Graças, amor – falou, tirando uma mecha do meu cabelo do rosto. – Senti sua falta.

Sorri e respondi:

– Feliz dia de Ação de Graças.

Mamãe escolheu aquele momento para sair da cozinha com uma travessa de comida, que colocou na mesa.

– O peru está quase pronto! – exclamou e então viu que Joel estava ali e foi envolvê-lo num forte abraço. Aparentemente, ele não estava aparecendo com a frequência que deveria e essa faculdade dele devia dar mais tempo para os estudantes ficarem com as famílias.

Porque, era claro, Joel era família para a minha mãe.

Com esse pensamento, fui até o bar do papai e fiz uma coisa que não costumava fazer quando estava com a família. Servi-me de uma dose se uísque. Eu nem gostava tanto da bebida, mas precisava de alguma coisa forte.

Eu tinha mesmo o direito de destruir o que já era uma família apenas por causa dos meus sentimentos egoístas?

Aquele não era um dilema novo. Vinha pensando naquilo desde que havia chegado ali, dois dias atrás. Joel ainda estava na faculdade e só chegara hoje de manhã. Ele sabia que eu estava ali, claro, porque minha mãe correra para contar à mãe dele. E, mesmo assim, Joel não viera correndo me ver como sempre. Tinha que terminar um trabalho da faculdade.

Mas agora parecia feliz conversando com minha mãe e meu pai. E eu tinha aquela felicidade nas mãos.

Só me restava saber o que fazer com ela.

Tomei um gole longo do uísque, que parecia fogo descendo pela minha garganta e não percebi que a Sra. Clarke tinha se aproximado.

– Vejo que já se entregou completamente aos hábitos decadentes daquela cidade, não é mesmo, Sina?

Virei-me para encarar a mãe do meu namorado. Era claro para quem os visse que eram parentes, afinal, tinham o mesmo tom de pele e a mesma firmeza de traços. Mas o que caía bem em Joel e lhe dava um charme masculino parecia pesado em sua mãe e endurecia sua expressão. Francesca Clarke era tudo, menos uma mulher charmosa.

– E como a senhora conhece os hábitos nova-iorquinos? – retruquei, afinal estava no limite e a última coisa de que precisava era daquela mulher me dando nos nervos, como era seu costume. – Nunca colocou os pés em Nova York.

– Nem colocarei! – falou indignada. – Olhe só para você, uma boa garota do meio oeste se embebedando antes do jantar e se vestindo como uma... qualquer!

Eu nem me dei ao trabalho de me ofender, até porque era simplesmente mais fácil ignorar. E se ela achava a minissaia de couro preto – que eu estava usando por cima de uma meia calça cinza e grossa – roupa de mulher "qualquer", era melhor que nunca olhasse o resto do conteúdo do meu guarda roupa.

Perfectly Wrong | NoartOnde histórias criam vida. Descubra agora