XXXI

682 44 3
                                        

– Eu sei que tem dedo seu nisso – falei, dois dias depois, ao chegar em casa.

Cherry estava sentada no seu sofá elegante, com uma bacia de pipoca intocada e uma coca diet. Uma coisa que eu gostava sobre minha chefe era que ela, como eu, precisava tomar cuidado com o que comia. Heyoon, por outro lado, era do tipo que podia comer toda a loja de doces sem engordar uma grama.

O que era uma pena, porque eu realmente amava doces e comida gordurosa.

– Eu não sei do que você está falando – Cherry respondeu, num tom que não enganaria ninguém. Ela estava usando calças de moletom e um top que não chegava a cobrir seu umbigo. Seus pés estavam cruzados embaixo dela, que parecia extremamente relaxada enquanto assistia Tubarão, do Steven Spielberg.

A mulher tinha uma coisa com filmes sangrentos de qualquer tipo.

– Você não me engana, Cherry – falei, sentando-me ao lado dela, depois de deixar meu pesado casaco no armário de casacos e meus sapatos alinhados ao lado do tapete. Peguei um punhado de pipoca antes de continuar. – Noah me disse que foi você que o convidou, ou eu deveria dizer intimou?, a ir à festa de ano novo.

Ela suspirou e se virou para me olhar. Seus longos e cheios cabelos estavam presos no alto da sua cabeça, deixando seu rosto pequenino totalmente livre, o que a fazia parecer muito jovem. Reparei que, por trás do sorriso, havia uma tristeza e um cansaço sobre ela, junto com círculos escuros embaixo de seus olhos.

– Ok, em minha defesa, eu não disse a ele pra levar aquela inglesinha – ela falou, levantando as duas mãos em rendição.

– Imaginei que não.

– E por você estar voltando para casa só hoje, imagino que não tenha sido uma ideia assim tão ruim convidá-lo. Ou estou errada?

Sorri e joguei a cabeça para trás no sofá, lembrando dos últimos dois dias.

– Não. Não está.

Eu não podia me impedir de sorrir. De deixar meu exterior mostrar como meu coração parecia elevado e como eu estava feliz. Sim, os últimos dois dias haviam sido incríveis além das palavras, maravilhosos, transcendentes.

E irreais.

Apesar da minha felicidade transbordante, eu tinha perfeita consciência disso. Dois dias sem sair de casa, enrolada em lençóis que tinham o cheiro das nossas peles, pedindo comida pelo telefone, assistindo reality shows, espiando os vizinhos e fazendo sexo em todos os cômodos do apartamento não eram realmente amostras de realidade.

Havíamos vivido em nosso mundinho, sem interferências do mundo exterior – exceto pelas mensagens preocupadas de Heyoon, que queria saber o que diabos havia acontecido comigo depois que eu fui arrastada para fora da galeria – e sem nenhuma conversa realmente importante. Eu, como a covarde que era, não havia insistido em nada disso depois daquela primeira manhã. Eu não queria saber como seria o depois, não quando o agora era tão bom.

E era bom. Era melhor do que em meus sonhos mais loucos. Poder tocar Noah do jeito que eu quisesse e ser tocada por ele, não como se eu fosse frágil ou delicada, mas como se apenas ter suas mãos longe de mim por mais que um minuto fosse doloroso. Poder correr os dedos por seu cabelo macio, poder encaixar meu rosto na curva do seu pescoço, poder sentir seus beijos em minha nuca, seus dedos afastando meu cabelo gentilmente antes. Sentir seus dentes em minha pele, seus beijos por todo meu corpo, suas mãos que me excitavam mais do que imaginei possível. Poder deixá-lo me amar como quis que me amasse por muito tempo. Olhar para aqueles olhos e ver um sorriso neles, um sorriso que era só para mim.

Eu o amava e sabia que podia fazê-lo me amar, se ele deixasse. Mas esse era exatamente o problema. Eu não sabia se ele estava pronto para isso. Se conseguiria deixar para trás sua vida de vagabundo mulherengo pra estar só comigo. Se eu seria o suficiente para ele.

Perfectly Wrong | NoartOnde histórias criam vida. Descubra agora