Dia 3
A segunda manhã em que Rafaella acompanhou Gizelly fora igual à anterior. A Gerente acordava, se arrumava de maneira impecável e seguia para o trabalho. A única prova da noite mal dormida eram as bolsas roxas sobre seus olhos. O trânsito foi bondoso naquele dia, e ela até chegou alguns minutos mais cedo na empresa por causa disso. Tudo parecia estranhamente rotineiro.
O dia de trabalho também foi bastante comum, ela focou suas energias em tentar resolver o gigantesco problema que tinha em mãos, esperando que assim não sobraria espaço para lembrar da noite que passou chorando. Também manteve a cordialidade de sempre com todos, mesmo estando triste, já que ninguém ali era culpado por seu sofrimento. Foi na hora de sair de lá que Rafaella viu a mudança.
Ao invés de fazer o percurso habitual entre trabalho e casa, a engenheira fez um pequeno desvio, passando no supermercado antes de ir para casa. Isso seria extremamente normal para qualquer um, inclusive para a própria, se não fosse pelo conteúdo de seu carrinho. Uma lasanha congelada, garrafas de vinho e quatro barras de chocolate. A cupido ficou alguns minutos tentando imaginar uma combinação boa feita com aqueles itens, mas não obteve sucesso. "Ela sempre pede comida, por que trocar delivery por comida congelada?"
Ao chegar em casa, a lasanha foi jogada no forno e o vinho imediatamente aberto. Entre goles, a morena fazia as suas ações habituais, até que ouviu o toque de seu celular soar de dentro de sua bolsa. Torcia para que fosse Marcela, assim teria com quem desabafar sobre a dor que a tomava. Mas não era a médica, e sim Thomaz. Ela acreditava que após devolver seus pertences ele a deixaria em paz, mas estava errada, e ele se mostrava bastante inconveniente, além de grosseiro, por isso jogou o aparelho de qualquer jeito no sofá, e apoiou-se no balcão da cozinha.
Solidão: "estado de quem se acha ou se sente desacompanhado ou só; isolamento". A solidão era um sentimento perigoso, pois muitas vezes trazia consigo a sensação de insuficiência. Se não há ninguém a sua volta, então deve ser você a culpada por isso, certo? Errado. A solidão nem sempre é sinal de que existe algo errado na pessoa, muitas vezes ela só não é compreendida, ou as pessoas à sua volta são narcisistas demais para enxergar a dor do outro como algo digno de atenção. No caso de Gizelly, a solidão criava paranóias e mentiras em sua mente, lhe dizendo coisas terríveis sobre ela mesma, e ela, por ter sido tão machucada e por já não ter uma única gota de esperança em seu corpo, acreditava. E por acreditar, cegava-se para o mundo de possibilidades que era a vida.
Quando o forno apitou, indicando que a lasanha estava pronta, a morena arrastou-se até ele, como se o fizesse sem vontade alguma. Cutucou a comida algumas vezes após servir-se, mas logo colocou as sobras na geladeira. Não estava com vontade de comer, e a fome não a incomodava tanto quanto a dor de ter uma vida vazia.
Não importava quão boa fosse, quão justa, quão amável, nada disso mudaria sua realidade dolorida. Ficaria sozinha, seria uma formiguinha solitária em um mar de pessoas realizadas. Sua única amiga agora era uma mulher casada, e a veria cada vez menos. Sua família já havia sido desfeita pela morte há muitos anos, e os membros que haviam sobrado eram amargos demais para que os trouxesse de volta para sua vida. Seus colegas de trabalho eram apenas isso, colegas, pessoas que conheciam somente a parte dela que ela permitia, e sequer sonhavam com as dificuldades que enfrentava. A única maneira de mudar tudo isso seria se abrindo para pessoas novas, e Gizelly já não tinha coragem para isso, todas as vezes que tentou saíra seriamente machucada. Alguns a chamariam de covarde por desistir do amor, mas nenhum deles sentira a sua dor, então não tinham propriedade alguma para julgá-la. Seria assim, e ponto final.
"Ele sequer merecia esse sofrimento todo, ele não merecia VOCÊ! Não se martirize por atitudes de terceiros, Gizelly. Você ainda vai ser muito amada nessa vida, me certificarei disso."
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Psiquê
FanfictionEra apenas mais uma missão como qualquer uma, mas as coisas mudaram rapidamente para Rafaella. Deveria encontrar o par perfeito de Gizelly e lançar sua flecha sobre eles, fácil né? Mas o que acontecerá quando a cupido percebe que ninguém é bom o suf...