Esperança

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- Ok, acho que a essa altura já é aceitável decidirmos por uni, duni, tê – Disse Gizelly, que encarava a tela do aplicativo de delivery com impaciência. Rafa apenas a observava, uma vez que não tinha experiência o suficiente para opinar no assunto. Havia pedido comida uma única vez na sua breve vida humana, e tinha apenas copiado um pedido da própria capixaba. Esse pensamento deu-lhe uma ideia que resolveria seus problemas, só teria que fazer a morena concordar com ela.

- Gizelly, qual seu restaurante favorito aqui em Porto Alegre? – Foi pega de surpresa pela pergunta, o que obrigou-a a pensar um pouco. Adorava sushi, e a cidade lhe possibilitava algumas opções excelentes. Também fora ali que comera o melhor churrasco de sua vida, o que não era surpreendente, levando em conta onde estava. Variadas opções de lanches poderiam ser encontradas em cada esquina, mas também não poderia considerar nada disso sua comida preferida, pois tudo virava segunda opção ao ser comparada com a favorita de verdade.

- Tem uma galeteria não muito longe daqui, que serve a melhor comida do mundo. É um lugar de administração totalmente familiar, que serve o melhor galeto assado que já comi, massas com o molho que você quiser comer, e ainda tem a melhor parte: a polenta. 

- Parece bom... – A cupido percebeu a admiração na voz da outra, e concluiu que talvez sua ideia tenha sido boa mesmo, afinal.

- É maravilhoso! Saio rolando toda vez que vou lá – Rafaella tentou fingir compreensão ao máximo, mas no fundo não fazia ideia do que aquilo significava. Em sua mente, só conseguia contestar-se sobre o porquê da engenheira escolher rolar na rua ao invés de usar seu automóvel.

“ Será que é um tipo de exercício físico? Mas não dói? Como atravessam as ruas, se não enxergam para onde estão indo? Esses humanos estão cada dia mais criativos mesmo...”

- Então, podemos pedir desse lugar, já que gosta tanto. O que você acha? – A mais baixa deu-lhe um sorriso tão grande e tão sincero, que quase pesou-lhe a consciência. Por mais que estivesse interessada em agradá-la e ganhar sua amizade, seu gesto gentil fora motivado pela preocupação com seu bem-estar, que havia sido deixado de lado por dias, ao invés de por pura bondade de seu jovem coração humano, como ela acreditava.

- Acho uma excelente ideia, Rafaella. Eu sabia que tinha acertado ao lhe escolher – A loira soltou uma risada alta ao ouvir a mentira da capixaba, o que era novidade até mesmo para ela – O que foi? – A morena se fazia de desentendida, esperando continuar com a encenação que fazia a maior rir.

- Você não me escolheu, Gizelly. Você sequer tinha me visto antes de hoje de manhã – A Bicalho tentou manter a pose, mas juntou-se à colega no riso. Era incrível como Rafaella possuía uma aura leve, que a permitia se soltar em sua presença, mesmo com menos de um dia de convivência. Tinha um pressentimento muito bom quanto à loira.

- Você, hein, Rafa! Nem pra deixar eu sonhar com uns créditos indevidos na contratação excelente que você foi – Mesmo sabendo que sua performance mais cedo na empresa não havia sido tão expressiva assim, até por ter ficado muito pouco tempo, a cupido sentiu algo bom ao ouvir aquelas palavras. Ter alguém competente como Gizelly lhe elogiando era um privilégio, e ela sabia que deveria valorizá-lo – Mas sabe de uma coisa, eu acho que teria te escolhido mesmo assim – Aquela observação fez algo mexer-se atrás do peito de Rafaella, e ao mesmo tempo, fez seu corpo relaxar. A cada minuto que passava na pele humana, a loira os entendia menos, e já estava conformada disso. Teria que completar sua missão usando suas habilidades, não a enciclopédia sobre a vida dos humanos que vinha lendo desde que tinha seus doze anos. Só de pensar nas páginas velhas da obra, os pelos de seus braços arrepiaram. Viveria como humana mais cinquenta anos se isso significasse que jamais teria que ler uma única página daquela desgraça.

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