Durante todas as incontáveis vezes que fizera aquele caminho, Rafaella costumava prestar atenção não só no ambiente que a cercava, como também nas pessoas por quem passava, recebendo uma coleção de acenos e cumprimentos. Mas dessa vez era diferente, pois brigava com sua mente para esquecer permanentemente de sua última missão, e com isso da dor imensa que ela lhe trouxera. Para evitar ser distraída por seus passos, usava suas asas para flutuar sobre o chão, e aproveitava-se de sua magia para camuflar-se entre os diversos seres divinos que circulavam por ali.
Ao ficar em frente à porta de seu chefe, lembrou-se do motivo de suas outras vindas. Sempre fora a portadora de boas notícias, para todos os envolvidos em suas missões, essa era a primeira vez que cogitava virar as costas e procurar asilo no universo de sua gente, onde o todo poderoso dos humanos não tinha poder algum, e ela seria protegida pela saudosa dose de nepotismo de seus líderes. Só que ela não tinha certeza que isso aconteceria, não é? Sua família até pode protegê-la em um primeiro momento, mas o que fariam quando descobrissem o motivo de sua falha era uma incógnita.
Só havia um único caso como o seu na história, e nele seu igual tivera que salvar sua amada da ira de sua própria mãe, que desaprovava o relacionamento dos dois. O fato de Psiquê sentar-se a mesa com eles agora não quer dizer que Vênus tenha mudado sua visão sobre cupidos e relacionamentos, até porque esse assunto jamais fora mencionado nas lições dos mesmos durante sua formação. Na visão de Rafaella, era arriscado demais confiar na coerência da Deusa da beleza, e por isso ela tomou coragem e bateu na grande porta branca. Não demorou muito para ouvir a voz macia de seu chefe, e a animação nela lhe deixava ainda mais nervosa, pois sabia que ela acabaria no minuto em que lhe contasse a verdade.
- Já de volta, Rafaella? Você realmente quer bater seu próprio recorde, não é? Ou sou eu que lhe atribuo missões fáceis demais? – O Deus católico dos humanos era um dos seres mais gentis que tivera o prazer de conhecer, sempre animado quanto ao futuro de seus protegidos e com mil novas ideias para espalhar a palavra do amor.
“Mamãe deveria aprender um pouco com ele, quem sabe assim ela não limitasse o sentimento mais forte do universo.”
- Muito pelo contrário, senhor, essa foi a missão mais difícil que me designou – Deus, que usava sua forma mais comum, a de um homem de meia idade com cabelos grisalhos e olhos castanhos, encarou-a com uma expressão interessada. Rafaella tremeu ao sentir o olhar mais poderoso daquele universo sobre si, e imaginou o que aconteceria caso suas verdadeiras motivações fossem descobertas.
- Se é tão difícil assim, creio que não esteja aqui para me entregar um relatório de finalização, não é? Qual o problema, minha filha? – Sempre apreciara o jeito como ele a tratava como uma de suas filhas, pois seu jeito acolhedor diversas vezes suprira sentimentos que não recebia de quem de fato lhe dera a vida, mas dessa vez a palavra tão apreciada era uma lâmina contra seu coração. Falhara em sua missão, e teria que dizer isso para quem mais acreditara nela.
- Eu vim pedir meu desligamento da missão, senhor – O rosto do Deus não transparecia ira alguma, ao contrário do que ela imaginara, mas ele olhou-a mais atentamente, como se procurasse respostas ocultas por uma frágil armadura.
- Posso perguntar o motivo desse pedido? – Nervosa, a cupido hesitou, ponderando o quanto deveria revelar, e acabou decidindo que revelaria partes da verdade, para tentar proteger Gizelly ao máximo.
- Não me sinto capaz de cumprir essa missão em especial, senhor – O rosto do Deus mudou, seu interesse tinha dado lugar a algo diferente, assustadoramente gentil, o que fez Rafa querer sair correndo dali o mais rápido possível. Aquela conversa já estava deixando-a tonta, e esperava conseguir aguentar até seu fim para sucumbir à dor que consumia seu peito.
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Psiquê
FanfictionEra apenas mais uma missão como qualquer uma, mas as coisas mudaram rapidamente para Rafaella. Deveria encontrar o par perfeito de Gizelly e lançar sua flecha sobre eles, fácil né? Mas o que acontecerá quando a cupido percebe que ninguém é bom o suf...