Medo

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- Estou começando a achar que você me repreendendo foi algo hipócrita, porque não é possível que você tenha comido hoje – Disse Rafaella, que encarava apavorada a mesa de centro da sala da capixaba, onde se encontravam um balde de pipoca IMENSO, dois copos de refrigerante e uma variedade gigantesca de doces. Enquanto isso, ela sequer havia terminado o sanduíche que Gizelly tinha feito para ela como almoço.

“Ela me parece ser um pouco exagerada, mas só um pouco...”

- Sessão de cinema de verdade tem que ter tudo isso aí, Rafinha. Você precisa ter a “experiência Bicalho” completa – Disse a menor, que jogou-se ao lado dela no sofá gigantesco de sua sala – E aí, já escolheu o filme?

“Se por escolher você quis dizer olhar todas as opções e não entender nenhuma das sinopses, então sim.”

- Eu não achei nada muito interessante nessa tela – Gizelly tinha colocado na aba “filmes” do streaming, e simplesmente entregue o controle na mão da loira, o que não foi uma boa ideia. Nada ali lhe interessava muito, pois ou envolviam armamento humano e suas utilidades, ou narravam histórias de amor muito inferiores a qualquer uma pelas quais fora responsável.  Sim, era difícil impressionar uma cupido quando o assunto era amor, pois já haviam visto e armado muito para serem afetados como o resto do público.

- Se você não gostou de nenhum filme, podemos procurar na aba de desenhos. Você gosta de desenhos ou é aquele tipo de adulta que acha terrível assisti-los se você tem mais de 14 anos? – Ela tinha plena consciência que a capixaba estava falando com ela, mas não conseguia prestar atenção a nada do que ela dizia. Sua atenção estava toda na tela da gigantesca televisão, onde um menino gordinho, loiro e com músculos abraçava um pequeno Pégasus.

“Espera aí, um bebê deveria ter braços daquele tamanho?”

A curiosidade quanto à estranha figura humana fez com que seus olhos percorressem o resto da capa da animação, e quando finalmente chegou ao título, quase pulou do sofá, tamanha a empolgação.

- Hércules! – O jeito que ela apontava para a TV a fazia parecer uma criança, quando assistiam ao seu programa favorito. A anfitriã soube na hora que haviam encontrado o filme da tarde.

- Isso parece responder a minha pergunta, Hércules será – O sorriso da cupido quase a cegava, e ela estava feliz por poder proporcionar aquele momento de felicidade para a loira. Sempre gostara de trazer felicidade para a vida de quem era importante para ela, e recentemente Rafaella era mais presente em sua vida do que sua suposta melhor amiga.

O que nenhuma delas esperava, era a mudança repentina de humor de Rafa, que precisou de menos de cinco minutos de filme para deixar seu lado divino começar a aparecer. Assim que percebeu que, na animação, o famoso herói grego era retratado como filho de Zeus e Hera, sua inquietação começou. Era sabido por todos que sequer se prestassem a pesquisar, que Hércules era um semideus, filho de Júpiter com uma humana. Inclusive, Hera o detestava justamente por ser fruto da infidelidade do marido. Além disso, o herói ainda cantava em algumas cenas, o que confundia a mente da loira profundamente. Ela conhecia aquela pessoa, e ver sua história sendo contada tão distorcidamente lhe deixava desconfortável. Era como se os humanos não respeitassem seu povo.

Alheia àquele turbilhão de sentimentos e incertezas que consumiam à mulher ao seu lado, Gizelly se divertia com as canções, e até as cantarolava junto com os personagens. Sempre gostara de histórias que envolviam mitologia, por mais adaptadas que fossem, pois era incrível pensar em uma cultura e realidade tão diferente da em que vivia. Imagina o quão interessante seria viver em um mundo onde existissem vários deuses, e não um único, e cada um deles fossem responsáveis por algumas características específicas. Seu momento pensativo foi interrompido quando ouviu um quase rosnado sair da boca de Rafaella.

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