Café

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Dia 9

Rafaella acordou com um humor maravilhoso naquela Terça-feira, digno de princesas em filmes infantis. Mesmo as dores fracas causadas pelo licor ingerido antes de dormir não foram o suficiente para abalar sua felicidade com o resultado positivo do jantar com Gizelly. Jamais pensaria que acertaria logo de cara com a capixaba, mas estava feliz que o havia feito, pois estaria poupando tempo.

Já vestida em um belo terno azul marinho que havia copiado magicamente de uma revista, a cupido sentou-se em seu sofá, esperando dar o horário combinado com a morena. Se perguntara algumas vezes durante a noite se tinha acertado em aceitar a carona, mas a cada vez que argumentava consigo mesma, ficava mais certa de que era uma oportunidade que não poderia perder. Seriam minutos preciosos sozinha com seu alvo, com infinidades de assuntos a serem puxados que ajudariam em sua missão. Como dispensar isso? Impossível.

Quando finalmente ouviu batidas em sua porta, sentiu suas asas se mexerem, mesmo que elas já não estivessem fisicamente com ela. Era natural sentir aquilo, pensou Rafa, afinal passou uma vida toda sentindo o peso delas atrás de si, sempre levando seu tamanho em conta antes de locomover-se pelos lugares. Era mais do que normal que sentisse falta delas, e às vezes esquecesse que elas já não estavam ali.

"Só não posso esquecer de disfarçar melhor quando estiver com Gizelly. Não sei como explicar movimentações incomuns nas minhas costas..."

*
Aquela era a manhã mais animada que Gizelly tinha em dias. A noite ao lado de Rafaella parecia ter carregado não só suas energias, mas seu ânimo também. Acordou um pouco mais cedo que de costume, gastou um tempo considerável escolhendo o que vestir, e foi extremamente cuidadosa ao maquiar-se. Queria olhar no espelho e ver-se bonita, pois era assim que sentia-se por dentro. Quando terminou de se arrumar, estudou cuidadosamente sua imagem no espelho, procurando algum detalhe que poderia estar fora do lugar. Obviamente, não encontrou nenhum. A calça vinho agarrava suas pernas com precisão, enquanto um paletó da mesma cor cobria a camisa social branca que cobria seu busto farto. O salto branco finalizava o look com perfeição, e ao perceber isso, a morena deu um sorriso orgulhoso de si mesma. Há quanto tempo não se via tão satisfeita com o que seu reflexo lhe mostrava? "Desde antes do Thomaz" pensou ela. Mas não quis deixar sua mente divagar naquele assunto desagradável, queria manter seu bom humor para o resto do dia.

Como ainda tinha alguns minutos antes de ter que sair, resolveu passar um pouco de café, assim não teria que parar no meio do caminho para comprar. Enquanto colocava o líquido quente em seu copo térmico, lhe veio a ideia de levar para Rafa também. Não lembrava se a loira havia comprado o pó no mercado, e talvez ela sequer gostasse de café, mas resolveu arriscar e fazer um para ela também. Se tudo desse errado, ela mesma poderia bebê-lo, se desse certo, ela teria agradado a maior. Foi aí que ela notou o padrão diferente em suas ações, e assustou-se ao entendê-lo.

Toda a produção carregada e meticulosamente executada, o orgulho que sentiu ao sentir-se bela, a felicidade ao deduzir que Rafaella poderia gostar de recebeu café, tudo camuflava uma necessidade da capixaba de que a cupido gostasse dela. Tentou compreender o que causava essa necessidade de agradar a loira, e como tudo que era negativo em sua vida, acabou em Thomaz, e nos que vieram antes dele. Um namorado que queria controlá-la, impedindo-a de viver sua vida como queria. Uma namorada que sentia um ciúme excessivo, mas por suas costas a traía com a colega de faculdade. E por último ele, o homem que conseguira o que os outros dois não conseguiram: quebrá-la. Ele a quebrou de um jeito que tirou toda a esperança de seu corpo. O amor era apenas um mito, inventado para que pessoas infelizes não desistissem de tentar. Gentileza era uma via de mão única, onde você dava e quase nunca recebia em troca. Bondade era uma maldição, que comia viva todo mundo que nascia com ela. Ele fez com que ela questionasse tudo que era bom no mundo, e agora ela estava questionando até suas próprias ações. Estava na hora de parar, e ela lutaria por isso.

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