O pedido à um Deus

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Dia 13

Era um Sábado, e Rafaella não sabia muito bem o que fazer, pois sua vida humana girava em torno da de Gizelly, e se elas não iriam trabalhar, não se viriam. Ficou uma boa parte da manhã apenas encarando o teto de seu quarto, ponderando os prós e contras de beber cada frasco em sua maleta, em uma tentativa de passar o tempo, mas não adiantou. Em meia hora, sua mente sobre humana já havia criado milhares de argumentos para cada um, o que já lhe dava a resposta que queria.

Estava prestes a dar uma de vizinha inconveniente e simplesmente bater na porta da capixaba, quando teve a melhor ideia de sua vida. Ao lembrar de uma de suas conversas com a morena, recordou-se de uma "dívida" que tinha com ela, e hoje era o melhor dia para começar a pagá-la. Pulou da cama na maior velocidade que conseguiu, e saiu pelo quarto à procura do espelho que lhe acompanhava desde que nasceu. No cabo do objeto, um emaranhado de rosas abria o caminho que terminava nas papoulas que rodeavam a parte do espelho em si. Toda vez que o segurava, revivia o dia em que o ganhara, em seu décimo quinto aniversário. Fora apenas um dos milhares de presentes que ganhara de sua família, mas era seu favorito, não só por ter sido sua mãe quem lhe deu, mas pelo significado importante que ele representava.

Bastou colocar a mão sobre a pérola que unia o cabo e o corpo do espelho, para começar a sentir-se um pouco tonta. Era sua primeira volta para casa desde que virara humana, por isso a sensação de enjôo ao sentir seu corpo mudar de natureza era justificável, assim como o repentino alívio que seus pulmões sentiram ao ser agraciado com o ar mais puro existente depois de passar dias respirando fumaça e sujeira com os mortais.

Mas nenhum ar puro era páreo para o quão completa ela se sentia ao ter suas asas de volta. Sentia falta delas, era estranho não tê-las em suas costas para auxiliar-lhe com sua locomoção, ou simplesmente não poder voar quando bem entendesse. A saudade era tanta que ficou alguns minutos parada, apenas ouvindo o som de uma pena roçando na outra. Não imaginava que era tão apegada àquela parte de seu corpo até perdê-la, mas agora a valorizava ainda mais.

Quando sentiu que já havia aproveitado a sensação se estar completa novamente, dirigiu-se ao lugar que a fez ir até ali. Fazia anos que não entrava lá, provavelmente desde que teve seu arco e flecha danificado por um coração de pedra, no começo de sua carreira, e tinha medo de que não seria tão bem recebida, afinal ninguém que fosse relacionado à sua mãe era bem vindo.

Como se seus pensamentos fossem respondidos, sentiu suas asas encolherem no segundo em que o ar quente começou a envolvê-la. Quis escondê-las, como fazia quando estava em sua forma humana, mas sabia que naquele mundo isso não era possível. Ali ela era uma cupido, e sua forma era aquela e nada diferente.

- Meus olhos me enganam, ou realmente tem uma cupido em minha oficina? - A voz era tão grossa quanto lembrava, e ecoava na pequena "caverna" que era utilizada como oficina. Procurou seu anfitrião naquela bagunça, mas a fumaça atrapalhava sua visão e impedia que ela visse algo diferente de formas escuras nas sombras cinzentas do ambiente. Não lembrava de ser tão escuro assim.

- Não se enganam, não. Sou Rafaella cupido profissional e filha de -

- Eu sei de quem você é filha. E não pronuncie esse nome aqui - Pelo menos o ódio do Deus por sua mãe ainda continuava o mesmo, nem tudo havia mudado nesses anos. Ela sequer podia julgá-lo, pois tinha total noção de que as atitudes de seus pais haviam sido erradas e egoístas, e o único a sair machucado disso fora ele.

- Desculpe-me, não quis aborrecê-lo. Queria apenas lembrar-lhe de quem eu sou, já estive aqui há alguns anos atrás...

O ferreiro finalmente saiu das sombras de seu refúgio, e mostrou-se para a loira. Na primeira vez que o viu, Rafaella teve a mesma reação que todos ao ver sua aparência: desviou o olhar. Mas ao contrário do que possam pensar, não o fez por repugnância ou medo, apenas ficou com pena do Deus, pois lembrou-se do que lhe fora contado sobre sua vida, e os acontecimentos terrivelmente cruéis pelos quais passou somente por não ser belo como os outros Deuses. Dessa vez, certificou-se de fazer diferente, e manteve o olhar em Vulcano, que ao notar a falta de julgamento em seus olhos, baixou a guarda.

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