Querido diário,
Outro longo período sem escrever.
Acho que é compreensível.
Incrível como nos reerguemos aos poucos até do pior dos golpes.
Talvez tenham sido minhas orações. Rezei muito para superar tudo isso. Procurei algum santo padroeiro dos amores proibidos, era difícil encontrar. Existem padroeiros para vários tipos de situação.
Como são Valentim. Rezei uma prece para ele. Ajudou casais a se casarem apesar de uma proibição política.
Pena que santos não podem descer do Paraíso e resolver efetivamente nossos problemas.
Mesmo assim, fui melhorando.
Meus pais acharam que fiquei doente. Sentiram até medo.
De certa forma poderia ser uma doença.
Nunca vou entender como a partida de um homem que conheci tão pouco, que me proporcionou alguns beijos, carinhos e jura apaixonadas me destruiu dessa forma.
A Torre. Ainda ouço a voz de madame Lydia ecoando em minha mente.
Se não me engano, a previsão certeira abria brecha para esperança.
Odeio essa palavra.
Esperança.
Esperança não foi o que me levantou da cama e me motivou a continuar. O que foi, não sei.
Ignus está longe, tão longe. Espero, acima de tudo, que esteja bem de saúde e em segurança.
Existe segurança na vida instável que ciganos levam? Ele me prometeu que sim.
Mesmo com o que aconteceu com seu pai.
Arrepio de pensar nisso.
Ele partiu. Baralhos de tarot não o trarão de volta, nem santos casamenteiros.
E isso não foi mais do que uma loucura temporária...
Da qual fico feliz de não ter saído arruinada. Ignus nunca me desrespeitou, mas sei bem o que suas mãos desejavam ao buscarem áreas proibidas. Sei o que eu desejava também.
Ainda virgem e ainda pronta para o casamento que me foi imposto. Correto e respeitável. Boa família, bom rapaz.
Sim. Agora sei que Antoine é um bom rapaz.
Casar com ele estará longe de ser um prazer. Saber que provavelmente não será uma tortura me traz algum alívio. Afinal... Será o início do resto da minha vida.
Passei dias de cama, letárgica, pálida, olheiras profundas. Tive até febre.
Minha mãe ao meu lado e a preocupação em seu semblante me remetia a anos atrás... Quando a pequena Amélie delirava de febre, pescoço inchado, respiração obstruída e sentindo muita dor.
Pobre mamãe.
Enxergando ameaça de morte em simples coração partido. Não, não se morre disso. Descobri que não.
Deus me perdoe... Eu quis morrer.
Ao menos por uma semana.
Com o tempo, senti como se uma luz reacendesse no fundo de meu peito inerte, despedaçado. A luz cresceu aos poucos até me preencher inteira. Foi assim que me reergui.
Também ajudou quando François veio me ver.
Já me sentindo melhor e no clima para piadas, me prostei na cama como uma moribunda.
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Diário de Marie
Historical FictionMarie-Cleménce Chevalier, mimada moça de família na França do fim do século XVIII, sempre teve suas escolhas pessoais determinadas pelos outros. O que vestir. Aonde ir. Com quem andar. Com quem casar. Na infância ela ainda se revoltava. Também um...