Querido diário,
Como previ hoje choveu bastante, o dia inteiro.
E eu não conseguia afastar Ignus da mente.
Não sei porquê.
Talvez por sua aparição e insistência serem algo muito novo para alguém acostumada a ver sempre as mesmas pessoas.
Tentei parar de pensar nisso a todo custo. Sentia como ele não seria mais do que problema.
Meus pais, afinal, não podem saber ou nem suspeitar de sua existência. Não quero esse tipo de confusão para mim e muito menos para ele.
O que seus olhos de fogo estariam fuçando hoje, em algum outro lugar, nesse dia de forte chuva?
E por que estou falando como aquele William Shakespeare...?
Enfim...
É domingo. Não negligenciaríamos nosso dever com a igreja sob qualquer clima. Vesti um vestido marrom com xale cinza que poderia usar para cobrir a cabeça se necessário e fomos até a missa em nossa modesta carruagem com cocheiro.
Consegui me molhar e chegar tremendo de frio mesmo assim.
Desde que François tomou essa estranha decisão de virar seminarista... Ou "aprendiz de padre" como esqueço e chamo às vezes... Os domingos sagrados tornaram-se mais importantes para mim. É dia de ver meu irmão.
Ali estava, podia distingui-lo perto do altar auxiliando o padre em uma batina mais incrementada comparada a dele.
Sentei com nossos pais em um dos primeiros bancos e ele quase me arrancou uma risada proibida ao piscar para mim como fez a vida inteira.
Não sei o que deve lhe parecer mais difícil: abdicar das garotas ou de fazer gracinhas o tempo todo. Esse trabalho exige muita seriedade. E meus pais têm enorme orgulho.
Encerrados os sermões, cantos, hóstias e respingos de água benta, corremos até ele.
Notei o semblante de alegria do padre diante da família reunida. Algo que aprendi na vida tão regrada que levo é que seriedade intacta não existe, até a pessoa mais sisuda às vezes sorri... ou chora.
– François! – exclamei abraçando-o forte.
Soltei-o para que pudesse abraçar papai com um um caloroso tapinha nas costas e abraçar mamãe com um beijo no rosto.
– Tudo bem com você? Muito difíceis os estudos?
– Demais... – admitiu baixando o tom.
– Podemos entrar em uma competição de quem passa o maior tédio.
– Podemos, sim. – riu.
– Esses dias eu soube que aquela moça que ameaçou suicídio quando você a trocou pela irmã se casou muito bem-casada com o filho dos Soubirous. – comentei como se fosse um assunto qualquer, próximo ao seu ouvido.
É tão divertido provocá-lo. Preciso aproveitar agora que minhas oportunidades para isso diminuíram.
Logo ficou vermelho.
– Maninha, por tudo que é mais sagrado, não mencione isso na igreja. – murmurou. – E fico feliz por ela. Nunca gostei dela tanto assim, muito dramática.
Tentei segurar o riso.
– E agora você é padre.
François suspirou:
– Mais uns dois anos e serei. Às vezes a gente amadurece e percebe o que é realmente importante na vida. No meu caso é a dedicação a Deus.
Assenti disfarçando o ceticismo. Estou quase certa de que ele escolheu essa carreira para deixar nossos pais felizes. É uma alegria ter um filho religioso.
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Diário de Marie
Tarihi KurguMarie-Cleménce Chevalier, mimada moça de família na França do fim do século XVIII, sempre teve suas escolhas pessoais determinadas pelos outros. O que vestir. Aonde ir. Com quem andar. Com quem casar. Na infância ela ainda se revoltava. Também um...