Querido diário,
Sua desgraçada favorita outra vez aqui.
A data veio se aproximando a passos galopantes.
Há algo que não posso negar: minha tragédia pessoal é uma bela tragédia.
Venho sendo paparicada de forma como só me aconteceu uma outra vez na vida, na minha primeira comunhão aos 11 anos de idade. E agora, como noiva, aos 18.
Ritos de passagem. Tanto valor é atribuído a eles, não é?
Os olhos emocionados de minha mãe ao me ver vestida de noiva quase fizeram tudo valer a pena. Quase.
- Como você está linda, Marie!
Eu estava. Branco por todos os lados. Renda, linho... Não houve a menor economia em tecidos caros. Um comprido véu que alguém precisaria carregar por mim. Uma tiara de diamantes que fazia eu me sentir a rainha Maria Antonieta antes de ser decapitada.
As notícias da recente Revolução Francesa e da Queda da Bastilha chegaram até nossa cidadezinha, ainda que a confusão, felizmente, tenha ficado bem longe.
Como era mesmo? Liberté, egalité, fraternité?
Sempre gostei secretamente da ideia de revoluções. Um povo oprimido que contra-ataca.
O detalhe das cabeças decepadas em praça pública me embrulha o estômago, fora isso...
Mas não tenho vocação para revolucionária.
Pelo pouco que eu sei do conceito, imagino que me casar contra vontade enquanto os olhos ardentes do meu verdadeiro amor ainda queimam no fundo de minha alma passe longe de ser "revolução."
Bem...
Eu não queria estampar o rosto com expressões tristes demais enquanto era perfumada e vestida à moda de uma bonequinha de porcelana das mais caras.
Iriam perceber.
Portanto evitava esse tipo de pensamento.
Devo admitir que estou curiosa para conhecer meu noivo.
Não como noivo. Como pessoa. Troco algumas cartas com ele, claro que gostaria de saber como é quem as escreve. Infelizmente não poderá haver distinção.
Ninguém jamais pintou um retrato meu. Não gosto muito da ideia. Tempo demais parada. Senti câimbras horríveis na última vez em que tentaram fazer isso.
Então ele nunca me viu. Disse que mal pode esperar para saber como sou...
Só faltaria me achar feia, torcer o nariz.
Eu estava belíssima naquele espelho da loja de vestidos de casamento, onde moças risonhas e minha mãe não paravam de se mover em torno de mim, fazendo ajustes.
Meus olhos sérios ali refletidos pareciam me chamar de "mentirosa."
Sim, eu era.
Qual a outra opção?
De volta às futilidades agradáveis... A elas me prendo. Me impedem de chorar em público.
Minha parte preferida foi listar as flores que eu gostaria de ver no buquê. Isso era totalmente minha escolha.
E surpreendi a todos quando me ajoelhei no quintal de casa para colher trevos roxos, buscando os de quatro folhas. Encontrei alguns e entreguei para mamãe.
- Trevos de quintal, Marie? - ergueu uma sobrancelha. - Você é tão peculiar às vezes.
Sorri com o "peculiar" usado como eufemismo para "muito esquisita, um pouco doida."
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Diário de Marie
Historical FictionMarie-Cleménce Chevalier, mimada moça de família na França do fim do século XVIII, sempre teve suas escolhas pessoais determinadas pelos outros. O que vestir. Aonde ir. Com quem andar. Com quem casar. Na infância ela ainda se revoltava. Também um...