Querido diário,
Dois dias depois de cavalgar com Áurea, acordei indisposta, vomitando até as tripas. Mal conseguia me alimentar e a fraqueza me confinou à cama.
Meu primeiro pensamento foi o quanto era inconveniente adoecer agora. Eu tinha conseguido com que Ignus começasse a arranjar nosso casamento e talvez aquilo atrasaria tudo.
Geralmente as pessoas não morrem de indigestão. Iria passar. Sabia precisar me hidratar bastante e comer bem, na medida do possível.
Eu prostrada na cama e os outros me visitando, cuidando de mim.
Primeiro Ignus, me fazendo um carinho bem-vindo e me vendo em péssimo estado ao me providenciar um balde para que eu vomitasse de novo.
Depois sua mãe, com gestos habituados. Me trazia uma canja de galinha e água. Também raízes para mastigar, disse fazer bem ao estômago.
E me olhava com expressão estranha.
Encostou uma mão morena em minha testa.
- Você não está com febre. - assinalou.
- Acho que não. - concordei.
- Nem com desinteria.
- Não.
Deu uma pausa, respirando fundo ao pé da minha cama.
- Então, menina... Não sei o que você e meu filho andam fazendo juntos tarde da noite, pelos cantos, e não julgo, porque já fui jovem, já fui apaixonada. Também conheço o que significa um vômito sozinho, sem febre ou desinteria. Deve ser gravidez.
- Gravidez?!
Levantei sobre a cama com a perplexidade e minha visão embaçou como se eu fosse desmaiar. Me apoiei de volta no mesmo segundo.
- Isso foi vertigem? - emendou Amarílis, paciente. - Também faz parte. Gerar um filho, ou dois de uma vez, como foi comigo, tem seus desconfortos.
- Como pode ter certeza...?
- Eu tenho.
Seus olhos verdes e sábios brilhavam. Parecia bem feliz.
Não devia estar.
- Eu e Ignus logo vamos nos casar. - afirmei na defensiva, mesmo que ela soubesse.
- Sim... Não se preocupe. - esclareceu, adivinhando meus pensamentos. - Não posso negar como ciganos também têm suas regras, seus conservadorismos. Ainda assim, somos menos cruéis e rígidos. Ninguém vai falar em ilegitimidade ou te expulsar, Marie. Pelo contrário, fico felicíssima.
De fato, seu rosto se iluminava em um tipo raro e pleno de alegria.
- É mesmo? - Sorri de volta, ainda me sentindo mal. Pelo menos já não parecia prestes a desmaiar. - Minha mãe também ficaria. Na última vez em que a vi, me pediu netos. Claro que com meu primeiro marido, mas quem poderia prever? Eu sinto... Sinto falta dela.
- Acredito que a verá outra vez um dia. Ela é outra que acreditaria na sua inocência, não é?
- Com certeza... - murmurei. - Uma família muito amorosa, em particular meus irmãos. Mas... E Ignus? Serei eu a dar a notícia a ele?
- Acho adequado que dê quando estiver pronta, e se sentindo melhor.
- Talvez ele queira saber que isso que tenho não é doença, afinal, já que a senhora tem tanta certeza. - resmunguei, mordiscando o pão que acompanhava a sopa ao me recuperar do susto. Aquilo parecia algo que iria parar em meu estômago, eu esperava.
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Diário de Marie
Historical FictionMarie-Cleménce Chevalier, mimada moça de família na França do fim do século XVIII, sempre teve suas escolhas pessoais determinadas pelos outros. O que vestir. Aonde ir. Com quem andar. Com quem casar. Na infância ela ainda se revoltava. Também um...