Querido diário,
É...
Já não podem mais me chamar de senhorita.
Porque agora sou uma senhora.
Uma linda aliança de prata enfeita meu dedo anelar. Antoine tem sua própria.
Tudo é tão estranho.
Não posso mentir... Ao menos não aqui. Talvez em minhas palavras e gestos no dia a dia. Aqui admito como aquela sensação de culpa nunca me abandonou.
A cada toque, a cada beijo roubado, a cada promessa meticulosamente decorada antes de ser dita no altar. A culpa só crescia.
Será que nos anos que se seguirem, quando eu tiver uma penca de filhinhos correndo em torno de mim, quando envelhecermos juntos, essa culpa ainda estará aqui?
Acho que não. É impossível que dure tanto assim.
Impossível como fomos eu e Ignus.
Preciso fazer a promessa de não mencionar mais esse nome. Se não por qualquer outro motivo, por ser indiscreto como mulher casada.
Ah... E de acordo com alguns conceitos, não sou uma esposa completa, porque a bendita virgindade ainda está aqui.
Tentamos.
Não conseguimos.
Virou um projeto pessoal.
Antes de chegar nesse ponto, melhor descrever o que antecedeu.
O tal "grande dia."
O clima não parecia disposto a contribuir. Nublado com nuvens pesadas e na saída da igreja, junto com chuvas de arroz e parabenizações, também fomos saudados com chuva de verdade.
Era raro eu ver uma igreja assim tão cheia, e eu certamente quase nunca via igrejas iluminadas, cobertas de flores, com o órgão tocando tons alegres.
Toda essa festa só para mim e para aquele rapaz tímido de braço enroscado no meu? Sorri para ele.
Procurei com os olhos meus pais e os pais dele - estavam com ar muito ansioso, em pé, debatendo os últimos retoques.
Procurei Marianne e família. Procurei a pestinha. Não precisei ponderar demais, ela veio correndo até mim.
- Você está linda, Marie, linda, linda, linda! - gritou rompendo o silêncio.
Dei uma risada feliz, reprimindo algumas lágrimas. Talvez agora fosse minha vez de chorar.
Ajoelhei permitindo que Genevieve se jogasse em meus braços.
- Você também está linda, parece um anjo sem asas. - Cobri-a de beijos. - Promete que vai se comportar?
- Por que todos me pedem isso? - retrucou rabugenta.
- Por nada, não. Mas prometa.
Prometeu com o dedo mindinho de encontro ao meu.
Depois voltou para perto das outras crianças. Eram ela e um casal de primos de Antoine - uma menina que carregaria meu véu e um menino que entregaria, solene, nossas alianças.
Claro que Genevieve era a mais animada e indomável, aqui e ali recebendo uma reprimenda da mãe.
Fui também cumprimentá-los.
- Não acredito que você vai se casar, Marie. Lembro de quando você era uma garotinha do tamanho de Genevieve. - disse a mulher.
Estava prestes a chorar. Segurei sua mão para impedi-la. Toda aquela sentimentalidade estava começando a ter influência sobre mim, apenas por isso.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Diário de Marie
Historical FictionMarie-Cleménce Chevalier, mimada moça de família na França do fim do século XVIII, sempre teve suas escolhas pessoais determinadas pelos outros. O que vestir. Aonde ir. Com quem andar. Com quem casar. Na infância ela ainda se revoltava. Também um...