Querido diário,
Mesmo com meus pais ainda por perto, como ficarão até que o casamento se concretize, começo a me habituar a ter uma nova família.
Primeiras impressões são importantes. Minha primeira impressão de Antoine foi a de ser uma pessoa muito amável por baixo da timidez - isso se mantém.
E minha impressão de seus pais foi a de serem um par de cabeças de vento tão grandes que juntos, poderiam girar um moinho - isso também se mantém.
Não que minha família não tenha seus defeitos. Também são ricos, meio avoados e podem ser preconceituosos de vez em quando.
Horace e Hortence conseguem ser bem piores.
Para ter noção, minha futura sogra não parece nutrir por mim a antipatia oculta que tenho por ela. Gosta de mim e quer aproveitar todas as oportunidades para sentar ao meu lado e me conhecer melhor.
Porém o padrão de suas conversas é tão fútil, tão vazio, como se apenas assuntos materiais e efêmeros lhe importassem, que não aguento.
Fujo.
De maneira sutil para que não percebam, espero.
Já meu sogro também me incomoda, ainda que de outra maneira.
É um homem distante e inflexível. Sei, sem precisar perguntar, que Antoine sofre bastante como filho dele, pois ele espera que o rapaz herde todas as suas características e carreira.
Um futuro brilhante o aguarda como herdeiro e chefe de negócios. Posso perceber como ninguém nunca perguntou se essa é sua vocação real. Isso o entristece.
É um talentoso desenhista.
Desenha paisagens, natureza morta...
Desenha alguns retratos.
Não muitos. Porém tomou gosto por desenhar a mim e sempre me entregar depois como presente.
Acho que meu noivo já está se apaixonando.
Aguardasse ao menos um tempo. Mas não.
Nem esperou o casório e nossa convivência forçada pelo resto da vida.
Claro que não chego remotamente perto de amá-lo. Meu coração ainda dói por Ignus.
Por mais que eu insista comigo mesma em fingir que foi tudo um sonho pervertido... Tentando, dessa forma, tornar menos real, ainda não me convenço.
Não posso contar a verdade.
Com certeza não.
Por isso vou levando.
Ele é de fato um ótimo rapaz, até onde vi. Respeitoso, gentil, dono de personalidade interessante diferente da maioria das dos que o cercam.
Deve ter se apaixonado assim tão rápido porque quase não vê garotas.
Antoine me conta de sua vida no internato suíço só para meninos.
Ele era um bom aluno e tinha boa quantidade de amigos, ainda assim detestava as regras rígidas e levou palmatória na mão e castigos preso em quartinhos escuros, cheirando a mofo até aperfeiçoar seu comportamento ao longo do tempo.
Ficou lá dos 12 anos aos 17.
- Soa limitador... Meio chato. - retruquei enquanto sentávamos juntos na sala de arte. Sua mãe, ao fundo, tocava uma música animada no virginal.
- Muito chato, Marie... - estremeceu. - O tipo de olhar que eu recebia daqueles padres sempre que pensava, apenas pensava em fazer algo errado vai assombrar minha alma para sempre.
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Diário de Marie
Historical FictionMarie-Cleménce Chevalier, mimada moça de família na França do fim do século XVIII, sempre teve suas escolhas pessoais determinadas pelos outros. O que vestir. Aonde ir. Com quem andar. Com quem casar. Na infância ela ainda se revoltava. Também um...