26 de abril de 1793

90 8 18
                                    

Querido diário,

Peço perdão pelo período em que deixei de escrever aqui.

Estava ocupada correndo todos os riscos e fazendo todas as besteiras ao meu alcance.

Não sozinha...

Muitas certezas minhas viraram pó nesses últimos dias - dias, não semanas ou meses. Aconteceu tudo tão rápido.

O tempo não pareceu importar entre nós.

A única certeza que permanece é a de que ele não me deixaria em paz. Por nada. Ou infelizmente... Quase nada.

Perdão também pelas lágrimas que borram a tinta.

Bem... O que tenho a perder relatando os momentos de felicidade, agora que não passam de memória?

Eu tinha muito medo. Enquanto "medo" é um conceito que quase não parece assolar aquela cabecinha. Então ele me convencia. Seus beijos intensos eram persuasivos.

Uma tendência a toques mais ousados que eu sempre reprimia. No entanto aos poucos fui entendendo. Ele - nós - queríamos algo que não poderíamos ter. Clássico pecado original, mordida na maçã.

Eu não deixava e claro, ele respeitava.

Aprendi uma coisa ou outra sobre anatomia masculina... Ninguém tinha me avisado como o que eu sentia, ele sentia também. Havia às vezes um volume pressionado contra meu vestido.

Talvez eu incendeie esse diário mais tarde.

Ou não.

Se não, não terei nada físico para me lembrar de tudo isso.

Tenho as cartas...

Você imaginaria um romântico escondido dentro daquele rapaz? Duvido.

Ainda assim estava lá nas flores e cartinhas e ocasional poema que eu lhe pedi mil vezes para não enfiar nos cantos da caixa de correios. Ele não obedecia.

Às vezes me entregava também em mãos quando me via na rua desacompanhada, pois Provença não é uma cidade tão grande.

Certamente a estátua de santa Luzia flagrou algumas cenas indiscretas quando ele conseguia me seduzir e me arrastar até aquele cantinho por alguns minutos.

Então talvez seja castigo divino.

Deus pune os apaixonados? Não fornicamos em momento algum, não é? Eu poderia conferir outra vez na Bíblia.

Mas não tenho lido muito a Bíblia.

Não... Em vez disso folheei nossa empoeirada coleção de Shakespeare. Temos só por ter. Minha mãe não tem tempo para leituras e meu pai acha tudo aquilo besteira.

Nunca imaginei me sentir tão atraída por aquela peça específica...

Sabe aquela que termina com veneno e com ventres sendo esfaqueados?

Sim. Romeu e Julieta.

"O Céu só existe aqui onde vive Julieta. E qualquer gato ou cão, ratinho ou ser mais insignificante que vive nesse paraíso pode contemplá-la, mas Romeu não pode.

As moscas, que vivem na podridão, são mais privilegiadas, têm mais honrosa situação e são mais favorecidas do que Romeu. Elas podem pousar na mão maravilhosamente branca da minha querida Julieta e colher uma benção imortal sobre os seus lábios..."

No meu caso... Acho que eu deveria ser a Julieta, ainda assim entendo Romeu. Porque meu paraíso e minha felicidade foram embora hoje cedo em uma caravana.

Diário de MarieOnde histórias criam vida. Descubra agora