Capítulo 10 - Recebidos e surpresas

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Ainda faltam alguns meses para a inauguração da peça, mas alguns voluntários já vieram ajudar com o cenário, até porque leva um tempo do planejamento a confecção e montagem.

Tem dias que focamos nas músicas e outros nas falas. Diria que estamos na metade do enredo, visto que ensaiamos várias vezes a mesma cena. Mais cedo, ensaiamos músicas e tiramos medidas para o nosso figurino.

— Até amanhã, Lena! — Juan se despede antes de sair pela porta enquanto espero meu pai chegar. Já faz algumas semanas que estou aqui e finalmente ele veio nos visitar até porque logo teremos o encontro musical com fãs.

— Espero que esteja preparado para o trabalho de ciências! — Ele ri com meu comentário e coloca o capacete.

— Estou ansioso! — ele monta na moto e se posiciona para acelerar. Eu observo seus movimentos. A jaqueta parece se esticar e imediatamente meu cérebro me leva até a primeira vez que andei na sua garupa.

Ele me lança uma última olhada e segue seu caminho. Nós dois sabemos que existe 99,9% de chance de acontecer algum atrito durante esse primeiro encontro do nosso grupo de ciências que será na minha casa.

Meus pensamentos são interrompidos pelo som agudo da buzina do carro do meu pai. Acredito que o Ford escape preto que ele dirige seja alugado, visto que ele veio de avião. Curioso como meu pai sempre procura os mesmos estilos de carro e assim como ele também prefiro os mais espaçosos.

— Já estava morrendo de saudades, Lena!

Assim que sento no banco de passageiro sinto o perfume masculino que toma conta do carro. Eu cumprimento meu pai e posso observar que o seu sorriso ressalta aos olhos, mas não revela linhas de expressão, o que me faz constatar que o homem ao meu lado provavelmente fez um botox. Além disso, apesar de sempre estar estiloso, hoje tem algo diferente.

— Por que está me encarando, filha?

— Tem algo diferente em você e não é o botox!

Ele ri e com o olhar focado na direção, me responde:

— Então você notou? Não poderia esconder nada de você nem se eu quisesse.

— Pode me contar! Eu quero saber quem é ela ou ele!

— Não tem ninguém, Lena! Já estou acostumado a fazer esses procedimentos simples e você sabe que sua vaidade você não puxou da sua mãe!

— Talvez... Mas hoje parece mais. Você não usaria seu perfume importado só para vir me buscar no teatro. — Ele continua sorrindo enquanto chegamos perto da minha atual casa. — Espera! Você pretende voltar com minha mãe?

Ele dá um sobressalto e olha para mim por alguns segundos antes de voltar a olhar para a rua. Após estacionar, ele vira para mim.

— Filha, não tenho ninguém sério no momento e apesar de já ter amado sua mãe, hoje ela é apenas a mãe dos meus filhos e nós não passaremos da zona da amizade!

Deixo o assunto para lá e desço do carro. Preciso entrar em casa para tomar um banho e chamar meu irmão para irmos jantar com nosso pai, que fica nos esperando na sala.

Parece que por mais que o nosso cérebro entenda que alguns relacionamentos acabam, o coração ainda insiste no sentimento de ter seus pais juntos, parece até instintivo essa necessidade, mas não sou egoísta a ponto de desejar aos meus pais um relacionamento infeliz para que eu possa realizar meus desejos infantis.

Minha mãe manda um: "divirtam-se" antes que entremos novamente no carro para ir ao restaurante. Meu progenitor parece animado em nos fazer uma surpresa escondendo de nós para onde está nos levando.

Chegamos diante de uma fachada vermelha com um nome em destaque: "Los Hérnadez". Não imaginava que viríamos a um restaurante mexicano e muito menos que me surpreenderia com a visão de dentro. O lugar ostenta cores vibrantes e um quadro com as típicas caveiras coloridas, usando chapéus enormes. O lugar chama atenção, mas tem algo que se destaca mais, uma voz prende minha atenção e é impressionante como ele tem fôlego para alcançar as notas mais altas da música estrangeira. Não entendo de espanhol, mas o reconheço.

O rapaz canta de olhos fechados e não me nota, mas eu o reconheço muito bem.

— Para de babar no Juan, Helena! O pai já achou uma mesa. Vamos!

Nem percebo que estou parada no meio do salão observando a cantoria e sigo meu irmão sem questionar ou realmente prestar atenção no caminho até a mesa, tudo o que eu ouvia era: "...besar tus labios quisiera Malagueña salerosa..." enquanto um arrepio me atinge.

A música acaba e a plateia aplaude com fervor. Juan abre os olhos e agradece a todos antes de sair do pequeno palco. Ele entra por uma porta ali perto e some de vista. Parece que ele não me viu.

— O que foi, Lena? Não gostou do restaurante?

— Eu amei o restaurante pai! É muito bonito, espero que a comida também seja boa. — Confesso que o sorriso foi forçado. Precisei que meu pai notasse, para que eu percebesse minha frustração estampada no rosto. Como algo assim pode acontecer do nada?

Me concentro no cardápio e fico apenas ouvindo a conversa casual dos dois homens na mesa, difícil vai ser quando falarem comigo porque não consigo realmente prestar atenção, apenas visualizo uma coisa...

— Lena! Terra chamando! Já escolheu o seu pedido?

— Pai, acho que a Lena ainda está concentrada na música que estava tocando quando chegamos! — Meu irmão me olha com suas sobrancelhas arqueadas e um leve sorriso, claramente querendo insinuar algo.

Eu interrompo o seu raciocínio pedindo qualquer coisa no cardápio. Enquanto a comida não chega penso se ele viria aqui ou será que não sairia mais lá de dentro. A expectativa se manteve até um garçom desconhecido aparecer com a comida que cheira muito bem, mas ainda assim sinto que meus ombros caem. Pelo resto da noite, observo a minha volta, mas tudo o que vejo são minha família e pessoas desconhecidas.

Voltamos para casa, não passa das dez da noite. O nosso pai se despede após nos deixar em casa e segue para o seu hotel. Encontramos nossa mãe entre a sala e a cozinha usando um roupão, com uma xícara na mão que parece conter algo quente.

— Como que foi?

— Foi bem legal, mãe, inclusive a Lena amou o lugar!

— Sim, eu gostei. Mas, pode deixar que eu falo por mim, Damian!

— Uau! O que eu perdi? — minha mãe pergunta.

— Não é nada! Só estou cansada, já vou dormir. Boa noite!

Eles respondem e começo a subir a escada!

— Lena, espera! Chegou um pacote para você. Coloquei em cima da sua cama. — minha mãe avisa.

Fico surpresa. Talvez seja de algum fã, mas eu ainda não disponibilizei uma nova caixa postal. Chego ao meu quarto e me deparo com uma sacola de papelão e uma logo "AC". Olho para o cartão pendurado na alça e tudo o que tinha escrito em letras cursivas era: "Para Lena Martin". Curiosa, eu abro e quase caio de costas. Eu estendo o vestido azul royal na minha frente, ele tem mangas longas e uma saia rodada que deve chegar na metade das minhas coxas, na frente não tem decote nenhum, mas atrás a costa é praticamente nua, sendo composta por um tule e parece que tem um brilho, discreto, nele. O tecido parece maravilhoso, digno de uma dessas lojas chiques de roupas exclusivas. Mas pelo que percebo não é de uma loja, na verdade quem mandou para mim foi o misterioso Ângelo Christi. E o que uma blogueira faz quando recebe algo tão lindo? Bem, elas mostram, mas, eu opto por mostrar apenas a sacola e fazer um suspense para usá-lo no encontro com fãs. 

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