TRAUMA

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Esse um trecho do diário de Anahí.

Eu nunca fui uma pessoa de muitos amigos, pelo contrário, eu gosto de brincar que eu só consigo ter um amigo de cada vez. Não sei administrar mais do que uma amizade ao mesmo tempo.

Deve ser por isso que eu ando tão sozinha de pessoas. Porque sozinha mesmo, eu nunca mais vou estar. Eu tenho um companheiro vitalício, o nome dele é trauma.

Desde que tudo isso começou eu não consigo estar sem ele, ele me acompanha em tudo que eu faço. Ele mede minhas palavras, ele contorna minhas atitudes e ele me faz ser alguém que eu talvez não seja em sua ausência.

Mas, pera aí, existe ausência de trauma? É possível voltar para a versão anterior antes dele? Porque hoje eu sou o resultado do meu eu, somado com meu(s) trauma(s). E nessa conta não existe mais subtração. No fim eu gosto de quem sou hoje, muito mais do que eu gostava de quem se permitiu traumatizar. Não, espera outra vez. Eu permiti ser machucada? A culpa é minha?

Eu apresento então minha outra amiga, a que me visita só de vez em quando, geralmente ela aparece quando eu não posso lidar com ela. Ela eventualmente vai embora, mas a única certeza é que ela volta. Essa amiga eu chamo de culpa. Ela tem uma irmã, a vergonha, mas essa eu consigo administrar com mais facilidade, ela não é tão frequente.

Tem dias que eu me pergunto o que eu fiz para merecer tudo isso. Tem dias que eu me odeio por não ter sido capaz de sair daquele buraco. Tem dias que minha raiva se direciona a ele, mas odiá-lo significa sentir algo por ele e eu já não sou capaz de sentir nada que me mantenha ligada a isso. Eu desassocio, o excluo de cena. Lidar com o trauma, a culpa e a vergonha já é difícil o suficiente, não preciso adicionar o narcisista sociopata na mistura.

Então fico aqui. Meio viva, meio morta. Porque tem dias que eu preferia estar morta do que ter que levantar e seguir em frente. Ele me roubou, me tirou tanto e colocou no lugar coisas com as quais é quase impossível lidar. Aí vem a necessidade de perdoar. E eu o perdoo, com a maior facilidade. Ele é doente, eu penso. E aí volto a não sentir nada por ele, nem mesmo pena.

A parte realmente difícil é perdoar a mim. Perdoar e aceitar que eu não sou perfeita, e que sim, eu fui manipulada, eu fui abusada, eu fui usada e depois descartada. E pior, eu deixei isso acontecer. Em algum grau eu deixei. E isso é tão complicado. Gostaria de abrir minha cabeça e esvaziá-la de pensamentos.

Hoje, depois de tudo, eu sou uma versão completamente diferente da que eu imaginei que seria. Eu sou uma mulher muito mais forte, muito mais segura, muito mais verdadeira e sincera. Eu olho para mim e enxergo o amor que eu procurei em outras pessoas. Eu me coloco em primeiro lugar, eu me valorizo. Eu me basto e acredito que eu posso fazer o melhor para mim. Eu sou minha prioridade.

Mas eu também sou uma mulher desconfiada, que aprendeu da pior maneira a lidar com a solidão. E que depois de tanto tempo sozinha entendeu que há beleza em não precisar de companhia. Tanta beleza que fica difícil deixar alguém entrar. Eu me tornei resistente a deixar alguém entrar. Eu tenho medo de ser novamente machucada.

E aí o trauma chega, me abraça enquanto eu durmo e sussurra no meu ouvido. "Esse amor que você acredita, esse de conto de fadas, ele não existe." e eu acredito. Cada dia um pouco mais. E talvez seja isso. Eu vou ficar sozinha. Aliás, eu nunca mais ficarei sozinha, o trauma está comigo. A culpa e a vergonha vem me visitar.

"Pague o preço de suas escolhas, Anahí." 

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