Inevitável

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Manu Gavassi
Presente

Rafa sempre teve razão sobre esse lugar. Em Muzumuia fomos recebidos pelas crianças da aldeia, que sonham com a vida, recebidos com cânticos e danças de lá, como que dentro de uma caixa mágica, enquanto o mundo continua, do lado de fora.

Estar nesse lugar foi uma espécie de tiro de partida que sacudiu todas as minhas certezas. Dali para a frente foi inquietude, incredibilidade, híper realidade, união, bondade, choro de crianças, mas tanto amor espalhado.

É como viver no mundo ao contrário. Sair de um privilégio com pessoas reclamonas e insatisfeitas para conhecer um lugar precário com pessoas felizes e gratas.

Eu jamais poderia imaginar que depois daquele meu primeiro café da manhã em Muzimuia, com Mavala a sorrir pra mim, com o céu vermelho por cima das grandes árvores, nada mais seria como alguma vez eu pensei que pudesse ser.

Ainda naquele mesmo dia, descobri que nem se quisesse poderia apadrinhar a menina. Existia uma política clara. Eu não poderia escolher quem apadrinhar. Também descobri que por ser um dos rostos do projeto, ela estava num status diferenciado dos demais, não era como se ela precisasse de uma atenção extra.

Então, fiz a única coisa que poderia, liguei para Izabel com o intuito de entender se havia lugar nas passarelas para uma criança sonhadora e linda de uma das aldeias de acolhimento de Moçambique. Ela deu gargalhada num primeiro momento, mas me ouvindo narrar o pouco que vi até aqui e a beleza dessa menina, seu tom foi mudando e desligamos a ligação com dois entendimentos muito claros: ela faria o possível para ajudar Mavala com seu sonho e eu deveria contar sobre o que estava vendo para o mundo, sob minha ótica, do jeitinho que havia feito por telefone.

Horas depois, eu já tinha algumas páginas do bloco de notas tomadas pelos sentimentos, sensações e fatos que vivi até aqui. Rafa me viu escrevendo e sorriu como quem sabia mais sobre o que eu estava fazendo do que eu mesma, e talvez ela tenha razão novamente.

-- Tá arrependida?! - tirei meus olhos do celular sem entender. -- Você sabe, estar aqui no meio do nada, cansada de ter trabalhado o dia todo, sem muita coisa pra se entreter...- sorri vendo como seu corpo subia em cima do meu.

-- Porque tá perguntando isso se sabe muito bem que não?! - ela riu e me deu um beijo rápido, aproximando sua boca do meu ouvido. Eu podia sentir sua pele fresca pelo banho recém tomado.

-- Tô tentando te fazer ser mais ousada e me dar o que prometeu...sexo na África. - eu ri alto, atraindo pra gente a atenção das pessoas.

-- Acha que sexo vai me entreter?! - perguntei baixinho e ela me olhou divertida.

-- Sempre funcionou muito bem. - eu ri vendo como ela mordia os lábios. Que safada!

-- A África te deixa ainda mais linda, sabia? Acho que sua beleza fica mais natural, selvagem...- ela abriu aquele sorriso. Aquele que faz meu coração parar. -- Por mim eu cumpriria minha promessa agora mesmo, mas nessa tenda é um pouco difícil...não seja apressada e não me deixe mais excitada. Eu vou cumprir. - ela me deu um beijo rápido.

-- Sei que sim...- sua voz quebrou e me chamou atenção.

-- O que foi?! - ela deu de ombros parecendo envergonhada.

-- Hoje uma médica me perguntou como tem sido conviver com todas essas coisas juntas. Se viajamos pra cá pra fugir um pouco do olho do furacão...- eu ri.

-- Tem algo mais olho do furacão do que estar aqui pra uma médica?! - ela riu.

-- As pessoas normalmente se importam mais com coisas que no fim são superficiais do que com o que estamos vendo aqui...mas esse não é o ponto.

Força do Destino [Ranu]Onde histórias criam vida. Descubra agora