Sós

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Manu Gavassi
Presente

Três dias depois

Eu queria dizer que não estava emocionada, mas seria mentira porque ela sempre teve esse poder sobre mim. Olhar pra ela, durante muito tempo, foi tudo que me deu paz, ela e o céu, meus únicos pontos de equilíbrio.

Notei como seu corpo foi mexendo lentamente ao lado do meu, percebi sua respiração mudando e como os músculos do seu rosto começaram a reagir ao seu recente despertar. Continuei olhando pra ela atenta, sentindo um mundo de memórias me invadirem. Eu já estive aqui antes tantas vezes, esperando pra ver seus olhos me encontrarem, sabendo que seja qual for a situação, assim que eles o fizessem a paz me invadiria. E eu não estava errada, foi exatamente assim que aconteceu.

-- Manu? - sua mão passou por seu rosto como se ela pensasse ser impossível eu estar aqui, como se acreditasse ser um sonho ou algo do tipo. Eu nada respondi. Sua mão esticou em minha direção e quando seus dedos tocaram a pele do meu rosto, seu semblante mudou. Eu não sabia identificar ao certo o que ela sentia. -- O que tá fazendo aqui? - De repente, ela não parecia estar vivendo um sonho ou fantasia. -- Será que não pode respeitar o fato de eu ter me afastado porque não queria te ver? Que droga, Manoela! - insistiu com uma voz irritada e um tanto grossa pelo recente despertar. -- Não sou a sua namorada. Eu não gosto quando faz coisas sem considerar minhas escolhas! Não preciso que escolha por mim!

Um silêncio imperou naquele quarto. Ela me olhava um tanto ferida. Suas palavras foram duras. Nossos olhos se fitaram e finalmente ela deixou um suspiro frustrado escapar. Ali estava ela, minha irmã. Não a pessoa que há segundos queria me machucar.

-- Sabe? - chamei sua atenção. -- Eu tinha plena consciência de que você tinha me bloqueado e eu não teria retorno algum, sabia que falaria sozinha, mas mesmo assim desabafei por áudio com você nas últimas semanas, desde que voltei pro Rio, todo santo dia eu te mandei um áudio. - seu olhar mudou, ela não esperava por isso. -- Te contei como a Rafa me contou que o Rafael Cardoso a estava assediando...- seus olhos arregalaram. -- Da primeira vez que saímos publicamente e nos divertimos como un casal normal e apaixonado, dos meus dias na África, de todos eles, como se você tivesse ali me respondendo em tempo real enquanto imaginava você reagindo às coisas que eu contava...- e a olhei profundamente. -- Aconteceram muitas coisas. - suspirei. -- Não pra fora, mas dentro de mim. Eu contei como aquele lugar era o pior lugar pra se estar no planeta e se você tivesse escutado os áudios teria percebido como dia após dia meu olhar sobre ele mudava...- e sorri vendo como ela parecia curiosa. -- Te contei sobre como percebi uma mudança absurda na Rafa. Agora ela tá num mood diferente, é como se carregasse uma sabedoria estranha sobre mim, sobre a nossa relação. Ela saiu da total insegurança em si mesma pra ter tanta certeza da gente que até me assusta às vezes, mas de um jeito bom. - sorri e ela me olhou como quem esperava que eu continuasse. Eu sabia que sim. -- Eu sinto sua falta! - confessei. -- Não pela sua ausência na minha vida, mas pelo que você sempre representou pra mim. - nossos olhos se encontraram e eu mordi o lábio pra não chorar. -- Sempre dividimos tudo, nena. As melhores histórias, as melhores torradas, pizzas, aventuras, aprendizados, medos, dúvidas, e muitos sorrisos, muitas gargalhadas. - senti minhas narinas queimarem. -- Sempre fomos phd em burlar todas as regras e encobrir os segredos uma da outra e isso nada nem ninguém vai roubar de nós...- vi lágrimas em seus olhos e tentei conter as minhas emoções pra continuar. -- Algumas coisas são inexplicáveis pra quem está de fora. Existem códigos secretos que só pertencem aos que partilharam a mesma mesa, o mesmo quarto, as mesmas brincadeiras, os mesmos pais...- dei de ombros sentindo como estava perto de chorar. -- Talvez cumplicidade e camaradagem sejam as palavras certas pra definir o nosso tipo de amor, começamos com um "não me entrega que eu também não te entrego", e seguimos vida afora compreendendo uma a outra, os traumas ocultos, as dores disfarçadas, a raiva acumulada, a alegria infantil, a inércia justificada. - deixe uma lágrima cair e percebi como seu queixo tremia. -- Sempre nos reconhecemos e apoiamos em tudo, Cat. Mesmo sem palavras, o entendimento nunca deixou de ser surreal entre nós. - sorri em meio ao choro. -- No fim das contas, sempre foi o nosso olhar cúmplice que me ajudou a levantar e me aqueceu nos piores momentos da minha vida. - mordi o lábio vendo como dizer tudo aquilo estava me fazendo bem. -- É esse olhar que só nos duas temos uma pra outra que justifica e valida a beleza da vida pra mim, do mundo, das pessoas. Você, Catarina, sempre foi tudo pra mim...e de alguma forma, olhar pra você me traz paz, me traz sentido. - ela deixou suas lágrimas caírem e meu coração doeu. -- Eu poderia dizer que sinto muito por termos brigado e gritado uma com a outra, mas a verdade é que não sinto porque foi necessário, porque se aquilo não tivesse acontecido eu não teria percebido como você estava se sentindo e você só se sentiria pior e pior, eu não saberia como reverter...

Força do Destino [Ranu]Onde histórias criam vida. Descubra agora