Força do Destino [Ranu]

Malas desfeitas

Passado
Manu Gavassi

(Julho/2020)

"-- O que aconteceu quando ele subiu na torre e à salvou?
-- Ela o salvou também!"

O que a Rafa não sabe é sobre todas as vezes que eu já senti medo de amar. Grande parte do meu tempo aqui na terra eu passei me sentindo como uma peça de cerâmica prestes a estilhaçar a qualquer descuido, mas a vida pode nos fazer adaptar, ela joga fogo e água  e consegue nos forjar. Aprendi que basta encarar as experiências difíceis como oportunidades, e a fragilidade extrema pode virar dureza. No meu caso, de espírito, nunca de alma.

Queremos passar incólume por nossa jornada, sem grandes tormentas, e o que a gente demora pra entender é que todo mundo precisa ser desrespeitado, pisado, magoado, ao menos uma vez. Por mais difícil e doloroso que seja todos precisamos de alguém que quebre nossas certezas, invada nossa alma, desamarre os nós que nos mantêm atracados em um porto seguro.

-- Onde a gente tá indo, amor? - minha voz sai divertida e um tanto frouxa pelas taças de vinho que tomamos. Ela ri. Sua risada de menina sapeca me deixa ainda mais embreagada.

-- Shiiii - ela diz parecendo tão bêbada quanto eu. -- Pára de perguntar isso o tempo todo, é surpresa! - e sinto seus dedos tentarem cobrir melhor meus olhos. -- Não vai roubar, Manoela! Cê tá com eles fechados, né? - ri.

-- Uhum. Tô só ansiosa, não conheci o caminho, a gente já pegou um elevador e pela direção não estamos na minha casa...- ouço o som de chave girando na fechadura e fico em alerta. --... Você não tá me trazendo pra um hotel não, né? Você sabe que tenho minhas compu...

Paro de falar ao sentir sua mão sair dos meus olhos. Meus sentidos aguçam. Escuto o som de seus passos e sinto meu peito bater mais forte em antecipação por seja o que for que minha namorada esteja aprontando.

-- Pode olhar agora!! - sorrio aberto ao ouvir o som feliz e ansioso da sua voz, e meus olhos abrem, piscando algumas vezes. Tentando entender o que está bem na sua frente.

-- Rafa...- sinto minha voz falhar e um arrepio duradouro eletrizar meu corpo inteiro. Olho para ela com os olhos emocionados, os seus olhos correspondem a minha emoção. Ela sorri aquele sorriso e eu a acompanho. --...É..é o seu apartamento novo?! - ela solta uma risadinha pelo meu jeito atrapalhado. Meu coração está mais disparado ainda, sinto que posso infartar.

-- Uhum. - e morde o lábio inferior mantendo o sorriso lindo no rosto. -- Vem!

Sinto como seus olhos me analisam, ela não tem olhos para mais nada além de mim, e eu gosto dessa sensação. Entro olhando em volta, dando alguns passos para o meio da sala. Rafa dá alguns passos também, mas noto como ela fica pra trás, parecendo gostar de me observar varrendo o cenário com o olhar.

Meu coração vai parar de tanto bater.

-- O que isso significa? - consigo dizer num fio de voz, levantando os braços, fazendo alusão ao que estou vendo. Ela sorri, e posso adivinhar que ela está sentindo a delícia de me ver completamente perdida de surpresa pela segunda vez só nesta noite. Será que seu coração está batendo desesperado assim como o meu? Eu poderia apostar que sim.

Móveis novos. Caixas abertas por todo lugar. Seus porta retratos. Sofia. Gabriel. Seus pais. Os sorrisos da sua família espalhados. Um tapete grande e felpudo na sala de estar.

Meus olhos encontram novamente o seu.
Quero uma resposta. Eu já sei, mas preciso ouvir.

-- Que já tô aqui pra ficar de vez, Manu...