De Chicualacuala à Maheyisse

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Rafa Kalimann
Presente

A agenda da Wagner estava caótica naquele dia. Ainda para a tarde ele tinha o encontro com os chefes das aldeias, mas quando expliquei o que aconteceu, ele apenas sorriu concordando em nos receber, e me fez lembrar do homem que conheci há anos atrás, o homem que priorizava os assuntos do coração.

Levados pela emoção, selamos tudo ali mesmo, sem a opinião de qualquer outro consultor do projetor. A Fundação tem um sistema de apadrinhamento das crianças que não permite escolher a criança a apadrinhar. É a organização que apresenta a criança apadrinhada ao padrinho, quem escolhe é sempre a Fundação, nunca ouvi sobre Wagner ter concordado com outra maneira de fazer isso.

Talvez, por esse motivo, seu semblante mostrou a surpresa extrema quando minha namorada disse com a voz embargada e olhos cheios como ela queria apadrinhar o seu "pequeno super-homem", chamado Carlos, seis anos, órfão desde um ano de idade, há cinco entregue a própria sorte e a dos irmãos, que ainda são meninos.

Antes mesmo que ele abrisse a boca, pedi autorização para que mesmo não podendo apadrinhar Carlos, que ao menos pudéssemos ir a Chokwé comprar algumas coisas para eles, era o desejo dela. Wagner ficou ali parado pelo que pareceu uma eternidade.

-- Queremos todos apenas comprar comida, roupa e outras coisas que os meninos precisam...- ela explicou com voz trêmula. Era curioso ver Manu temendo alguém, e um alguém que o que mais fez na vida foi fazer o bem.

-- Todos?! - ele perguntou olhando pra nós duas.

-- Sim. O pessoal também quer ajudar. Não podemos ir até lá sem sua ajuda. Chokwé fica há uma hora de distância. Não consigo sair daqui sem os ajudar. Se não autorizar, vamos precisar ir sozinhos e correr riscos porque a noite já vai cair. - sorri me sentindo boba pela paixão com que ela falava.

-- Wagner?! - ele me olhou. -- Também queremos apadrinhar as outras duas crianças...

-- Isso é possível?! - Manu questionou. -- Apadrinhar mais de uma criança? - assenti e ela sorriu. -- Então querermos Apadrinhar as três, o que podemos fazer pra que aceite? Pra mostrar que nossa intenção é séria?

Wagner suspirou.

-- Queremos doar uma casa pra eles. - ela completou e eu a olhei surpresa, mas não muito.

Percebi um pequeno sorriso abrir no rosto do homem. Ele se aproximou de Manu.

-- Andei sabendo que não têm sido dias fáceis pra você por aqui...- ela suspirou um pouco desolada pela fala dele.

-- Pode me julgar? - ele negou. -- Também sentiu isso em algum momento? Um desespero por acreditar que por mais que você faça, nunca será o suficiente? - ele sorriu compreensivo.

-- Sim, mas então percebi que se esse pensamento me levasse a não fazer nada, então eu só seria mais um a lavar às mãos e a deixar essas crianças à própria sorte.

-- Obrigada. - ele negou rapidamente.

-- Não apareço nos eventos das aldeias porque não gosto de ser parabenizado...- ela encolheu os ombros.

-- Também não gosta da fome e das condições que vê aqui, certo?! - ele assentiu um pouco sem entender a pergunta dela. -- Mas precisa conviver com isso pra melhorar a situação dessa crianças...então vou lhe dizer uma coisa, precisa conviver com os agradecimentos também. Eles fazem parte do processo. Eu não ligo para os eventos, mas seria bom ver você por aí e entender que tudo isso começou com um homem como eu, como todos. Às vezes, muitas pessoas não ajudam porque não sabem que podem, ver você e perceber que é um igual, faz com que eu entenda que eu ou qualquer outra pessoa pode fazer uma diferença incrível no mundo. Você faz essa diferença e eu quero fazer essa diferença no mundo de alguém também e...

Força do Destino [Ranu]Onde histórias criam vida. Descubra agora