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ANABELE: 🧜🏻‍♀️

No morro, a vida não dá tempo pra fraqueza, A gente aprende cedo que, pra sobreviver, precisa ter coração de pedra.

E se tem uma coisa que a favela me ensinou é que, quem confia demais, acaba no chão, Essa é a história da Anabele, Não só o vulgo, mas tudo que me fez ser quem eu sou.

Antes de Anabele, eu era só Ariane, A filha da Dona Lúcia, a mulher mais guerreira que a quebrada já conheceu, A infância foi entre os becos apertados, jogando bola descalça com os moleques e dividindo pão com os irmãos na hora do almoço.

Meu pai, quando não tava sumido, tava enchendo a cara, A primeira lembrança que tenho dele é o som das garrafas quebrando na parede da sala, minha mãe chorando baixinho no quarto e eu, encolhida atrás da porta, sem entender direito.

Dona Lúcia fazia o impossível pra botar comida na mesa, Trabalhando em duas casas de madame, ela saía antes do sol nascer e só voltava de noite, com as mãos calejadas e o cansaço estampado na cara.

Eu cuidava dos irmãos mais novos, dava banho, esquentava o que tinha pra comer e ajudava na lição de casa, mesmo sem entender muita coisa.

Na escola, as professoras viviam dizendo que eu tinha futuro, que não podia deixar a favela me engolir, Mas quanto mais eu crescia, mais via que aquele papo bonito não pagava as contas nem afastava o perigo das vielas.

Aos 14 anos, vi meu irmão mais velho sendo arrastado pela polícia, algemado, com a cara cheia de sangue, Foi a primeira vez que senti o peito apertar de um jeito que nem as lágrimas davam conta.

Minha mãe chorou por dias, e eu prometi que nunca mais ia deixar ninguém machucar quem eu amava, Naquele dia, alguma coisa mudou em mim.

O vulgo Anabele apareceu anos depois, mas a frieza já tava lá desde cedo, As meninas da favela viviam dizendo que eu parecia uma boneca, pele clara e cabelo alinhado, sempre com a cara fechada, sem papo com ninguém, Eu gostava da distância que isso criava, Melhor parecer fria do que deixar os outros verem as rachaduras.

A primeira vez que parti pra cima de alguém foi num baile, quando uma tal de Jéssica veio empinar na frente do Felipe, que eu tava ficando na época, Não deu nem tempo dela entender, segurei pelo cabelo e o resto foi só gritaria e tapa, A fama correu rápido, e o apelido veio junto, Boneca de porcelana, As más línguas diziam que eu era bonita, mas quebrava fácil.

A verdade? Eu podia até ter a cara de boneca, mas o coração já tava rachado fazia tempo.

Foi num desses rolês que um playboy de um morro vizinho, querendo se amostrar pros amigos, resolveu me chamar de Anabele.

X: Tá se achando por quê, boneca? Cê não passa de uma Anabele da quebrada.

Só lembro de rir de canto, tomando um gole do copo enquanto ele esperava me ver irritada.

Anabele: Fala baixo, senão até boneca te bota pra correr, vacilão.

O apelido pegou, E eu, ao invés de lutar contra, assumi, Porque era mais fácil ser a boneca fria do que mostrar que, por dentro, ainda existiam estilhaços que doíam.

Amar, pra mim, sempre foi uma parada complicada, Quando você cresce vendo seu pai jurar amor eterno antes de meter o pé e sua mãe engolir o orgulho pra não deixar a família desmoronar, fica difícil acreditar nas palavras bonitas dos caras da favela.

Minha primeira decepção veio cedo, O Felipe, aquele que eu achei que ia ficar do meu lado, acabou metendo chifre com uma amiga minha, A favela inteira soube antes de mim.

Sob O Morro Onde histórias criam vida. Descubra agora