Capítulo 31

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ALFONSO

Eu não conseguia me concentrar. Minha cabeça estava zunindo, e a aula estava uma droga. As crianças não mereciam aquilo.

— Ok, quem aqui está a fim de um filme? — sugeri aos meus alunos. A gritaria foi ensurdecedora.

— Ok, ok. Se vocês falarem ao mesmo tempo, a Mazé vai deixar o professor sem sobremesa. A maioria ficou quieta. — Todos para a sala de vídeo, em fila indiana e ordenada por altura. Do maior para o menor. Eder, para de chutar o seu irmão.

— Mas ele está me provocando! — reclamou o garoto.

— É claro que está. Ele é seu irmão. É para isso que ele existe. Mas você vai ficar sem sobremesa também se não parar com isso.

Ele cruzou os braços, fechando a cara, e foi para a porta, dois metros distante do irmão mais novo.

— O que vamos assistir? — Letícia, a menina do cuscuz queimado, quis saber. — Pode ser Cinderela?

Gemidos masculinos — ou quase isso — preencheram a sala.

— Cinderela é para bebês! Eu queria mesmo era ver um filme de zumbis que comem o cérebro das pessoas e transformam elas em lobisomens. — Bella arreganhou os dentes, em sua melhor imitação de lobisomem., tentando implicar com a amiga.

— Deixa de ser boba! — Letícia rebateu. — Todo mundo sabe que se um zumbi te morde você vira tartaruga-ninja!

— Cê é louca, menina! — Bella mostrou a língua.

— Sem língua, Bella — corrigi. — E não vamos ver nada com zumbis, lobisomens, tartarugas-ninjas ou princesas. É sobre um rei que é morto numa emboscada, e o assassino assume o reino. O filho do rei é banido ainda criança, e tem que crescer e depois lutar com o vilão para honrar a memória do pai e recuperar o que é seu por direito.

— Legal! — todos gritaram ao mesmo tempo.

— Aposto que vai ter luta de espada e muito sangue! — Eder disse, já liderando a fila.

— Aposto que serão naves espaciais que cospem raios laser! — retrucou Bella, saindo do meio das outras crianças.

Eles foram saindo e eu resolvi esperar pela gritaria que certamente viria assim que descobrissem que não havia luta de espadas nem naves espaciais em O rei leão. Ao menos eles iriam se divertir um pouco, já que eu não estava conseguindo esse feito com minha aula.

Mas como poderia ser diferente, se o resultado do exame sairia no dia seguinte e eu não conseguia parar de pensar que a minha vida podia estar sendo decidida naquele instante? Era como ter uma guilhotina pendurada acima do pescoço, sem saber se ela ia descer ou não. Pensei em contar a Anahi sobre isso, depois de ter feito amor com ela no meu quarto, mas não fui capaz. Como é que vinte e quatro horas podem custar tanto a passar?

Meu telefone tocou. Era Christopher.

— Ei, como você está? — perguntei.

— Esgotado, Alfonso. Quando eu acho que tudo está entrando nos eixos de novo, alguma falcatrua nova aparece.

— A Anahi me contou sobre a sabotagem.

— A Dulce está furiosa. Além dessa história da Samantha, há um rombo no orçamento da filial de Munique. Parece que os problemas resolveram aparecer todos de uma vez. E justo agora que o casamento está se aproximando. A Duce está sobrecarregada, e não consigo pensar em um jeito de aliviar os ombros dela. Tudo o que eu fiz foi ligar para a agência responsável pela festa e dizer que não queremos pombas, pavões, araras ou qualquer pássaro na cerimônia. Quer almoçar comigo amanhã?

Mentira Perfeita - ADPOnde histórias criam vida. Descubra agora