Capítulo 19

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ALFONSO

Os primeiros raios de sol entravam pela janela quando os soluços no quarto finalmente cessaram.

Cacete, eu causei aquilo. Eu a fiz chorar.

Bom trabalho, babaca.

Não era isso que eu queria. Nem de longe. E jamais me passou pela cabeça que fazer a coisa certa doeria tanto. A ardência no peito não me deixava respirar direito, o formigamento nas minhas mãos não iria passar tão cedo e eu certamente teria que andar inclinado — se eu ainda andasse, claro — naquele dia, com o pior caso de bolas azuis da história do mundo.

Eu queria socar alguma coisa. Minha cabeça, por exemplo. Com um pouco de sorte, eu ficaria inconsciente e esqueceria aquela merda toda. É, eu bem poderia dar com minha cabeça na parede agora.

É, certo. Como se isso fosse acontecer. 

Às vezes eu pensava em Anahi como uma espécie de coceira que se instalara sob minha pele. Quanto mais eu coçava, mais fundo ela se embrenhava.

Deus, aquele olhar, quando eu lhe pedi que parasse, me perseguiria até o fim dos meus dias. Eu já recebera todo tipo de olhar: pena, raiva, medo, repulsa, curiosidade. Mas nunca aquele, tão carregado de mágoa.

Era uma sorte Anahi ser tão cega em alguns aspectos.

Ela não percebera que eu estava tão desesperado e doido por ela que nem consegui raciocinar. Se alguém perguntasse meu nome naquele instante, tenho certeza de que eu teria dito João Euclides.

Mas o que eu queria e o que eu devia fazer eram coisas diferentes.

Dentre todas as noites, dentre todos os momentos em que estivemos juntos, por que diabos ela tinha escolhido justo aquele para deixar as coisas rolarem?

É, eu sabia por quê.

Foi por isso que eu tive de impedi-la de ir adiante.

Anahi não agia como ela mesma. A situação do falso noivado, o problema na L&L, a privação de sono e a agressão a tinham feito atingir o limite.

Bufei, me remexendo no sofá. Só de pensar naquele monte de lixo outra vez, senti os músculos dos ombros enrijecendo. Cara, eu queria muito esmurrar aquele filho da puta até ele se transformar numa massa sangrenta e disforme.

Eu devia parar de desejar coisas que não podia ter.

E isso se aplicava a Anahi.

Não era por isso que eu estava ali naquele sofá duro enquanto ela chorava toda encolhida na minha cama? Puta que pariu, só de pensar que eu poderia estar lá com ela, os dois nus sob o lençol depois de termos transado a madrugada toda, a raiva de mim mesmo reacendia.

Decidi me levantar. Ficar deitado não ia resolver nada, e eu ainda iria me atrasar para a primeira aula. Então, me apressei a fazer o alongamento que ajudava a evitar os espasmos musculares que às vezes faziam minhas pernas chacoalharem sem controle. Puxei a geringonça para mais perto e me acomodei nela.

Vinte minutos depois, fui para a cozinha preparar um café bem forte, na esperança de que ele espantasse a maldita dor de cabeça que me fazia ver tudo dobrado. Eu tinha acabado de ligar a cafeteira e botado as roupas ainda úmidas da Anahi para secar no micro-ondas quando ouvi a campainha tocar.

Relanceei o relógio. Seis e meia.

Christopher. Cacete.

Se meu irmão visse Anahi, o inferno iria parecer a porcaria da Disneylândia.

A campainha tocou outra vez, e eu atendi antes que todo aquele barulho a acordasse.

— Fala aí... — Abri a porta, mas mantive no meio do caminho o trambolho no qual eu estava sentado.

Mentira Perfeita - ADPOnde histórias criam vida. Descubra agora