Epílogo 2

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ALFONSO

Paris, 2024.

Lá estava eu, sentado na raia 3, arrumando meus óculos e minha touca.

O dia estava lindo, embora não desse pra ver de dentro do parque aquático. A vida estava linda, na verdade.

Meu game havia feito sucesso e conquistado de vez o público e investidores. Eu estava caminhando com as minhas próprias pernas agora (irônico, não?) e conseguira capital para investir nos meus próprios projetos, graças ao sucesso do meu primeiro jogo.

Além disso, eu me dediquei à natação de forma profissional. Ou tão profissional quanto um país com tão pouco investimento como o Brasil permitia, principalmente para um paratleta.

Sim, Anahi e eu havíamos voltado para o Brasil. Dois anos após nossa partida, Américo resolvera se aposentar e Dulce oferecera a ela o cargo de chefe de TI da filial de lá. Nós dois conversamos, pesamos os prós e contras mas a saudade da família falou mais alto, embora eu e ela tenhamos construído nossa própria família.

Com dois anos de casados, antes de partirmos de volta para o Brasil, Anahi me deu a notícia mais maravilhosa de minha vida. Eu iria ser pai. Nunca pensei que sentiria uma alegria tão latente no peito, uma felicidade tão forte que dava vontade de gritar. Naquele momento, eu percebi que a vida não poderia me deixar mais feliz. Mas estava enganado.

No dia 1° de agosto de 2022, Miguel veio ao mundo e olhando para ele nos braços de Anahi, o rosto banhado em lágrimas, eu soube que minha vida não pertencia mais a mim. Eu dedicaria minha vida a fazer aquele pequeno ser feliz. Eu mataria e morreria por ele, se fosse preciso. Bastou olhar nos olhos de Anahi para perceber como nossos sentimentos estavam em sintonia naquele momento.

Foi um dos momentos mais especiais que já vivi.

O outro, é claro, foi no dia do nosso casamento.

Todos que eu amava estavam lá. Minha mãe e dona Begônia se desfazendo em lágrimas no banco da frente. Christopher com um sorriso orgulhoso, meu pai contendo as lágrimas.

Tinha muita gente ali, mas não consegui enxergar mais nada depois que Anahi entrou na igreja vestida de branco.

Clichê, eu sei, mas ela era a noiva mais lindo do mundo. A mais linda e ia ser minha.

No momento em que dissemos sim, eu senti uma felicidade que pensei que só voltaria a sentir se voltasse a andar novamente.

Mas eu estava enganado. Ah, Deus, como eu estava enganado.

Nossa vida era doce. Implicávamos um com o outro, tínhamos discussões as vezes, é verdade, mas coisa passageira. Ela era minha amiga, minha confidente, minha amante. Meu mundo todo.

Um sorriso bobo escapou dos meus lábios e voltei ao presente.

Felizmente, havia investidores privados que acreditavam no esporte, no atleta brasileiro. Não foi algo que procurei, mas antes do acidente alguns investidores já estavam de olho em mim. Como eu sempre me dediquei à natação de forma muito séria, as propostas novamente apareceram. Primeiro, de forma amadora, é claro. E escalada foi dura até chegar onde estou.

Eu havia hesitado no começo, mas Christopher e Anahi me convenceram que daria para conciliar tudo. E realmente foi possível.

Meu trabalho era feito de casa, de modo que podia cuidar de Miguel enquanto Anahi estava fora. E isso acontecia a maior parte do tempo, visto que chefiar um setor de TI não era algo fácil. Pensar nisso fazia meu peito inflar de orgulho da minha esposa.

Toda vez que eu tinha treino, deixávamos nosso pequeno com sua tia ou meus pais. E assim, a vida foi fluindo, funcionando, até chegar onde estou agora.

De longe avistei Anahi sorrindo de forma encorajadora para mim. Ao seu lado estavam Christopher e Dulce, agora sua esposa. Maite e Paulo estavam uma arquibancada abaixo, ao lado de Amanda e seu noivo, Jaime Camil. Fora Anahi quem apresentara os dois, em uma social na nossa casa. Ele também trabalhava no setor de TI e antes de se relacionar com Amanda, eu morria de ciúmes dele com minha esposa.

Não que Anahi me desse motivos, longe disso. Mas o cara parecia galã de novela mexicana.

Além disso, as vezes a maldita insegurança ainda me rondava. Sempre que isso ocorria, eu buscava lembrar dos momentos de Anahi nos meus braços, do nascimento do nosso filho, do quanto ela se dizia orgulhosa por ele ter os meus olhos e os seus traços delicados. Uma mistura perfeita de nós dois, segundo ela.

Meus pais estavam uma arquibancada acima, ao lado de Breno e Camila, que era a mais animada de todos. As vezes eu achava que ela iria aparecer com pompons verde e amarelo, gritando o meu nome e pulando feito louca. Bom, pulando ela já estava.

E estava usando uma faixa escrito "Herrera Stan". Não sei ao certo o que aquilo significava, mas acho que ela queria dizer que era minha fã. E eu me sentia muito grato por isso.

Ela era a mais animada, é claro, porque Anahi não podia pular.

Minha mulher estava linda, quietinha, exibindo uma barriguinha de quatro meses do nosso segundo bebê.

Olhei dentro dos olhos azuis que eu tanto amava e ela assentiu para mim, a mão passeando pela barriga que ficava cada dia mais empinada.

A notícia de mais um bebê chegando fartou a todos de alegria. Minha mãe e Begônia disputavam quem comprava mais coisas para o bebê, enquanto Amanda e Camila disputavam quem seria a madrinha. Dulce era madrinha de casamento, enquanto Mai era madrinha de Miguel. De uma coisa eu tenho certeza, aquele bebê seria muito amado.

Aliás, aquele não, aquela.

Sim, seria uma menina. Uma linda menina loirinha de olhos azuis, como eu secretamente desejava.

Nós descobrimos o sexo da criança no Japão, durante nossas férias. Não aguentamos de ansiedade e resolvemos fazer o exame lá mesmo.

Anahi deu a notícia para a família através de uma fotografia onde repousava em sua barriga um sapatinho rosa, cerejeiras fazendo fundo para a foto.

Cerejeiras...

Anahi se encantara com as flores que enfeitavam o Japão na primavera. ''Sakura'', como eles chamavam no país, significa a beleza feminina e simboliza o amor, a felicidade, a renovação e a esperança. Assim, Anahi decidiu que nossa filha se chamaria Giovana.

Qual a relação? Eu não faço ideia. Mas se ela queria, assim seria.

Desde então, Anahi prometera que assim que parasse de amamentar, faria uma tatuagem de cereja ao lado da begônia em suas costelas.

Respirei fundo e me preparei para mergulhar na piscina. Eu não sabia se sairia de lá com um recorde, com uma medalha, ou sem nenhuma premiação. Mas eu tinha a certeza que o maior prêmio que a vida poderia me dar estava ao meu alcance, bastava olhar para aquela arquibancada.

Com essa certeza, saltei em direção a piscina, gritos ecoando pelo parque aquático e o sabor maravilhoso de finalmente ter encontrado a paz.

Mentira Perfeita - ADPOnde histórias criam vida. Descubra agora