Capítulo 30

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ANAHI

Estava chovendo quando meu turno terminou. Conferi se a mochila estava bem fechada antes de me enfiar naquele aguaceiro. Uma buzina insistente me fez olhar para a rua.

Alfonso!

— Não imaginei que você viesse me pegar — falei, sem fôlego, depois de entrar em seu Honda, jogando a mochila no assoalho para poder prender o cinto de segurança.

Ele não disse nada. Apenas me observou como se não me visse havia décadas.

Sua mão se elevou para se encaixar em minha bochecha. Seu semblante estava rígido, como se ele lutasse contra algo realmente doloroso.

— O que foi? — Preocupada, toquei seu queixo. Abanando a cabeça, ele fechou os olhos e me beijou. Um beijo repleto de saudade e... medo? — O que aconteceu, Alfonso? — insisti, quando ele libertou minha boca.

— Nada. Estava com saudade, só isso. — Mas havia uma sombra em seus olhos. O que estava acontecendo? — Temos que ir buscar sua tia. Como foi o seu dia? — Engatou a marcha e acelerou.

— Produtivo. — Bom, quase. — E o seu? — especulei, na tentativa de que ele dividisse comigo o que quer que o estivesse perturbando daquele jeito.

— Nem tanto. Uma das crianças, a Letícia, colocou macarrão dentro da impressora e queimou o cuscuz do lanche. Levei quase a manhã inteira para tentar tirar almôndegas e molho de dentro da máquina e para abafar o cheiro de queimado.

— Por que alguém colocaria macarrão na impressora? Espera, espera, espera...porque diabos vocês deixam uma cirança chegar perto do fogão? 

— Um:  Para imprimir em 3D. — Ele fez uma careta. — Ainda não entendi a lógica. Dois: nós não deixamos, ela fugiu da aula, não fez a lição e foi se aventurar na cozinha. Está de castigo. 

Acabei rindo, e ele chegou a sorrir, mas foi tão breve que mal passou de um lampejo.

Qual era o problema? Ah, claro! Christopher, lembrei.

— Então você sobreviveu ao confronto com o seu irmão.

— Não foi tão ruim como eu imaginei. — Ele acionou a seta e mudou de faixa. — Ele está bravo, mas não tanto quanto eu achei que ficaria. Eu tinha bons argumentos.

— Que bom.

Então, se não era isso, o que poderia ser?

— E quanto à sua tia? — ele quis saber. — O que você vai dizer a ela sobre a noite de ontem? Ela pareceu bastante decepcionada hoje de manhã, porque nós não estávamos nos agarrando nem nada quando chegamos em casa.

— Eu também notei. E por isso mesmo não vamos dizer nada. Quer dizer, ela vai tentar descobrir se aconteceu alguma coisa. Foi uma sorte ela não ter percebido que eu tive uma noite espetacular só de olhar para mim. Tenho medo que ela entenda tudo errado e ligue para a Allure marcando o nosso casamento para a semana que vem.

Porque seria exatamente isso que aconteceria se ela soubesse — ou mesmo desconfiasse — do que havia acontecido sobre o tapete de sua sala.

A tensão ao redor de Alfonso pareceu ceder, e do nada um sorriso daqueles de tirar o fôlego lhe curvou a boca.

— Ontem foi mesmo espetacular, Pin.

— Ah. — Onde estava meu filtro quando eu mais precisava dele?

Minhas bochechas se incendiaram.

— Eu não... eu não quis dizer... eu...

— Mas não foi o bastante. — Ele manteve o olhar à frente.

Mentira Perfeita - ADPOnde histórias criam vida. Descubra agora