Capítulo 40

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ALFONSO

Cheguei em casa perto das oito e fui para a cozinha preparar o jantar. Uma rápida olhada no armário e descobri que eu estava sem Doritos. E sem miojo. Saco.

Havia algumas coisas na despensa, coisas que dona Begônia havia comprado. Envergonhado, como se as latas de tomate me observassem de maneira acusadora, fechei o armário e liguei para a pizzaria.

Desde que Anahi tinha ido embora, voltar para casa era assim. Eu ainda sentia o cheiro dela impregnado em todos os cantos do apartamento, e tudo parecia gritar "Seu grande idiota!", das almofadas no sofá à TV, que eu já não ligava. E o silêncio que antes eu prezava tanto agora parecia me sufocar até eu ter de abrir todas as janelas em busca de ar. Nunca adiantava, claro, mas eu tentava.

E sabia que a culpa era minha.

Nunca fui muito bom em lidar com situações extremas.

Não achava que havia errado em terminar com a Anahi, mas a forma como fiz isso, sim.

Em minha defesa, minha cabeça estava fodida. Eu tinha saído daquele consultório com a sensação de morte. Não uma morte física, mas a morte de minha vida antiga, do antigo eu. Imagino que seja normal meter os pés pelas mãos numa situação dessas. Quando a dor da morte começou a se assentar, veio o luto por tudo aquilo que nunca seria. Minha família foi incrível, me deu todo o suporte de que eu precisava, sobretudo meu irmão. Em momento algum eles sentiram pena de mim, coisa que eu odiava — ironicamente, fui o único a fazer isso. Teria sido impossível suportar aquilo sem eles. E, em algum momento, a dor cedeu. Não desapareceu, e acho que nunca desapareceria, mas não era tão grande quanto eu havia imaginado. Conforme ela retrocedia, uma dor diferente surgiu, e essa sim era monstruosa.

— Coração partido — Christopher disse certa noite, enquanto eu o ajudava a preparar o jantar em sua casa.

E eu não discuti; era isso mesmo.

Meu coração estava destroçado.

Então eu pretendia tomar um banho, comer a pizza e cair na cama, mas me detive ao passar pelo quartinho que Anahi e Begônia haviam ocupado. Eu não entrava ali desde que elas haviam se mudado para minha casa.

Segurei a maçaneta, inspirei fundo e abri a porta.

O ar parecia saturado, os móveis precisavam de uma boa espanada, mas tudo estava como as duas haviam deixado. Nada fora do lugar, exceto pela camisola verde de vaquinhas da dona Begônia, dobrada aos pés da cama.

Abri a gaveta da cômoda que fora ocupada por Anahi. Corri os dedos de leve sobre as blusas dobradas à perfeição. No entanto, senti um calombo rígido sob a pilha de tecido. Curioso, dei uma espiada e descobri uma caixinha de madeira antiga, com o desenho desgastado de uma rosa na tampa. Peguei-a com cuidado.

De início, seu conteúdo me pareceu apenas lixo. Entretanto, reconheci a pequena margarida, agora seca, com que ela brincara em nosso primeiro encontro, o guardanapo de papel com o logo da lanchonete que ela dobrara e desdobrara para disfarçar a tensão, o isqueiro em formato de coração, o recibo da pista de boliche...

Ela havia guardado algo de cada momento em que estivemos juntos.

Cada uma daquelas coisas havia sido importante para ela.

Cada um daqueles objetos dizia que ela não tinha se aproximado de mim por pena ou por causa de sua natureza dependente.

Eles afirmaram algo que, no fundo, eu já sabia, e tinha medo de acreditar.

— Ah, Pin... — Meu coração deu um coice dentro do peito, me deixando sem ar.

Meu Deus, o que foi que eu fiz?

Mentira Perfeita - ADPOnde histórias criam vida. Descubra agora