A ideia dessa memória veio da @K_rabt (perfil no Spirit).
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
- Mãe, o que acha de sardinhas em cubos para o seu jantar especial? - veio a voz animada de Daniela, sua filha, e Anna sorriu travessa antes de se esgueirar para fora da abertura que era a janelinha do quarto que dividia com seu neto. - Mãe? Lorenzo, onde está minha mãe?
- Não, amor, eu não estou com fome agora.
Anna soltou uma risadinha com a resposta do genro e o grunhido irritado que a filha deu em seguida, nadando para longe da caverna em que morava.
A manhã de seu septuagésimo sexto aniversário estava clara e ensolarada e era um dia perfeito para ir até a superfície.
Anna sempre teve fascinação pelos humanos, mesmo com todas as crueldades que eles faziam contra seu povo, porque sabia perfeitamente que nem todos eles eram tão horríveis assim.
Ela costumava se esgueirar para acima da água sempre que podia quando era mais jovem e, agora que Daniela estava crescida e com sua própria família, Anna de repente voltou a ter tempo livre o bastante para voltar às suas estripulias no mundo humano.
Ela tinha orgulho de que Luca havia herdado aquilo dela. O garotinho era curioso e facilmente impressionável, e Anna sabia que não demoraria muito tempo para que ele se pusesse a explorar a superfície por conta própria.
Ela nadou até uma parte menos movimentada de Portorosso e saiu da água, se sacudindo e observando as escamas rosadas se transformarem na pele clara e enrugada. Sorriu, animada, caminhando até uma pequena rachadura numa pedra à sua esquerda que escondia uma sacolinha com um vestido azul dentro.
Anna se trocou rapidamente, bem a tempo de acenar para o velho pescador que passeava por ali, a vara de pescar sempre sobre os ombros.
- Buongiorno, signora - ele desejou, tocando a boina, e ela tocou a saia do vestido ao fazer um aceno de cabeça.
- Buongiorno, signor Marino.
Ele continuou seu caminho até a beira da água e ela continuou o dela até o vilarejo, cumprimentando algumas pessoas pelo caminho.
Anna simplesmente adorava Portorosso. No final de tudo, o vilarejo acima da água e aquele abaixo dela não eram tão diferentes assim. Eram apenas pessoas com vidas simples, vivendo seus dias pacatos em meio à tarefas cotidianas e suas famílias amorosas.
Ela gostava de estar ali, e andava por aquelas ruas todo fim de semana.
Caminhou até o bar que ficava perto da peixaria, pedindo um pãozinho doce e uma xícara de café forte.
- Senhora Bernardi, que bom lhe ver aqui! - falou o homem atrás do balcão, um sujeito alto e de cavanhaque bem desenhado. - Como está sua família na fazenda?
- Estão bem, estão bem. E como vai a sua?
- Mais do que bem! Minha filha está grávida outra vez. Eu vou ser vovô de mais um pequenino!
- Oh, isso é incrível! Meus parabéns! Isso me faz lembrar quando meu netinho ainda era só um bebezinho. Ele era tão pequeno...
E eles continuaram a conversar durante mais alguns minutos enquanto Anna terminava seu café da manhã, deixando sobre o balcão as moedinhas que estavam no bolso do vestido.
E ela estava prestes a sair do bar quando um marinheiro com mais ou menos sua idade barrou a passagem, olhando para ela com uma expressão arrogante e sorriso malandro.
- Ora, ora, se não é a minha adversária mais empenhada.
- Vittorio - ela respondeu no mesmo tom jocoso, não se deixando abalar pela postura dele.
Vittorio e Anna haviam se tornado uma espécie de amigos rivais desde que ela chegara ali pela primeira vez e começou a se interessar pelo mundo dos jogos de cartas. Desde então, ela vinha tentando melhorar suas habilidades para vencê-lo no jogo, mas Vittorio sempre ganhava no final.
Mas, naquele dia, ela sentia que seria diferente.
Então manteve a postura confiante enquanto o seguia até a mesinha de madeira que ficava no canto da praça, se acomodando na cadeira de frente para ele.
- A sua lista de derrotas já está ficando extensa, Anna - o homem provocou, distribuindo as cartas pela mesa. - Quando será o dia em que você finalmente vai me vencer?
Mas Anna não respondeu àquela provocação, nem nenhuma das dezenas de outras que Vittorio fez durante o jogo. Porque enquanto ele se preocupava em procurar o que dizer para ela, Anna voltava toda sua concentração e perspicácia para sua estratégia, que aos poucos foi tomando forma na mesa.
Ela sorriu quando viu a preocupação no rosto de Vittorio ao olhar para suas duas sequências de cartas quase completa, do 2 ao J, e completamente limpas, sem coringa substituindo nenhuma carta.
Olhou para as sequências dele, que também estavam quase completas, mas uma delas estava suja. Tinham dois coringas substituindo o 4 e o 7, e ela sorriu ao perceber que essas mesmas cartas estavam na mão dela.
E ela sabia que ele estava apenas esperando que Anna as soltasse, mas ela não o fez até que o jogo estivesse no fim. Então as largou no monte, ficando com apenas duas cartas na mão, e conteve um sorriso vitorioso ao observar o adversário apanhar as cartas do monte e limpar suas sequências, pronto para bater.
Ao redor deles uma pequena multidão se amontoava para ver mais uma batalha entre os dois melhores jogadores do vilarejo, e muitos deles gritavam incentivos para suas apostas.
E então era o momento de decisão. Anna e Vittorio estavam empatados, então venceria aquele que tivesse o menor somatório de cartas na mão.
Ele apoiou as dele na mesa. Um Às e um dois de Espadas. Três.
Anna sorriu quando apoiou o seu Às de Copas e Às de Ouros na mesa. Dois.
E as pessoas ao redor gritaram animadas enquanto Vittorio arregalava os olhos, olhando assombrado os dois Àses diante dele.
- Parece que o dia chegou, Vittorio. E eu acabei com você!
O velho homem ainda ficou olhando para a mesa por longos segundos enquanto Anna recebia tapinhas nas costas e elogios. Então ele riu e estendeu a mão para ela, que a apertou firmemente.
- Bom jogo. Você me surpreendeu desta vez, Anna, parabéns.
Quando ela estava voltando para casa, horas mais tarde, estava contente por aquele pequeno presente de aniversário.
- Mãe! - exclamou Daniela, exasperada, nadando ao seu encontro. - Onde a senhora estava?! Sumiu durante horas!
- Ah, sabe como é, filha. Gente idosa gosta de fazer passeios por aí.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Mil Memórias
Fanfiction{Luca x Alberto} Memória. Por definição e conceito, é a capacidade que os seres vivos tem de adquirir, armazenar e evocar informações que ficam guardadas em um - e, às vezes, mais de um - local da mente. A memória pode ser fraca ou forte, pode ser i...