Talvez os sentimentos verdadeiros de Alberto não se mostrassem do lado de fora, porque ele verdadeiramente nunca foi muito bom em mostrá-los, mas ele estava feliz.
Muito feliz.
Já fazia muito tempo que o pai havia ido embora e que ele vivia ali sozinho na torre; muito mais do que ele podia contar. Ele até tentou, as marcas na parede por trás do pôster eram a prova disso, mas ele desistiu de alimentar a esperança de que Bruno voltaria para ele um dia.
Então ele parou de marcar e jurou a si mesmo que não pensaria mais no pai, nem no abandono, e que ele seria feliz por conta própria. Que ele teria uma Vespa e ela o levaria para todos os lugares que pudesse imaginar.
Que seu mundo seria muito maior do que aquela ilha cheia de tesouros e solidão.
Foi quando conheceu Luca.
E eles se conheciam há apenas um dia, mas Alberto já era uma pessoa mais feliz somente por tê-lo ali. Ele finalmente tinha um amigo, alguém para conversar além de si mesmo e as paredes que jamais o respondiam, e mesmo que Luca fosse medroso sobre muitas coisas Alberto ainda estava gostando de ter o menino por perto.
Ele era como um raio de sol na escuridão.
Era curioso e Alberto não se importava em ensinar a ele tudo o que sabia. Ele o mostrou a Vespa e Luca teve a ideia de construírem uma com as coisas que Alberto tinha na torre e, mesmo que tivesse relutado no começo sobre a própria ideia, Luca ainda ficou ali durante horas enquanto eles davam um jeito de transformar todas aquelas peças em uma Vespa.
- Então - Alberto falou depois de um tempo -, você mora aqui perto?
- Sim, com meus pais e minha avó.
- Hmmm. Eu sabia que tinha um vilarejo por aqui, mas nunca fui até lá. Ei, Luca, me passa aquela corda.
Ele apontou para o emaranhado de cordas sobre a prateleira, que logo foi colocada em suas mãos.
- E os seus pais não te deixam subir?
- Não - o menino respondeu, meio cabisbaixo. - Minha mãe tem medo dos humanos, e ela sempre está me dizendo o quanto eles são terríveis e vão fazer coisas ruins comigo se eu subir aqui.
- Bem, eu vivo aqui há muitos anos e nenhum humano nunca me incomodou - ele terminou de amarrar as cordas e pegou o martelo do chão, se voltando para Luca. - Me passa os pregos? É aquela latinha ali perto das cordas. Não, essa não. Não, essa é a latinha dos botões.
Luca estava confuso com os nomes daquelas coisas, e riu quando Alberto bufou e se levantou, mostrando a ele o que era cada uma delas.
- Aqui, isso - ele apanhou um botão de dentro da lata que Luca havia acabado de tocar -, é um botão. Os humanos usam isso para prender nas roupas. Já isso aqui são pregos. Eles servem para quase a mesma coisa, mas ao invés de roupas eles mantém os objetos juntos.
- Uou... Você sabe de tantas coisas - exclamou Luca, admirado, e Alberto sorriu orgulhoso de si mesmo.
- É, eu sei bastante. E posso te ensinar tudo, se quiser. Mas vem, vamos continuar a montar isso aqui.
Alberto se abaixou outra vez, sentando ao lado da Vespa em construção. Ele colocou alguns pregos na boca e posicionou a roda no lugar, sinalizando para Luca segurá-la firme enquanto ele pregava.
E ele a sacudiu para ver se estava bem presa, erguendo os olhos para Luca e sorrindo ao notar que a testa e a bochecha dele estavam sujas de poeira.
- Sabe, você estaria seguro aqui na ilha se decidisse subir. Ninguém te faria mal aqui. E eu poderia te contar todas as coisas que aprendi sobre os humanos - Alberto comentou e, mesmo que ele não quisesse criar esperanças ou expectativas sobre Luca ir até lá mais vezes, ele já estava imaginando como seriam seus próximos dias na companhia do menino.
Luca não respondeu, parecendo receoso e temeroso, e Alberto abriu mais um sorrisinho de lado. Porque era claro que ele queria, e aquilo bastava. Talvez os pais o proibissem, talvez ele se acovardasse com medo de uma bronca e nunca mais aparecesse, mas ao menos ele queria.
O céu do lado de fora já coloria as nuvens de rosa e dourado quando eles finalmente terminaram de montar a Vespa, e ela estava linda. Estava muito parecida e muito melhor do que uma de verdade, porque ela veio do trabalho em conjunto dos dois e Alberto estava orgulhoso dela, olhando-a com o rosto apoiado nas mãos enquanto permanecia deitado no chão.
- Ela está parecendo uma pintura - exclamou Luca, encantado.
- É, ela está - respondeu, sorrindo.
Então Luca soltou uma exclamação surpresa e deixou cair a chave que tinha nas mãos, dizendo que tinha que voltar para casa.
- Até amanhã, viu? - Alberto gritou, e Luca acenou para ele antes de descer as escadas.
Alberto se levantou e parou perto do vão, observando o novo amigo correr morro abaixo. Um sorriso grande se abriu em seu rosto e ele soltou uma risadinha, balançando a cabeça para a maneira que Luca corria.
- Desajeitado. Com o tempo ele pega o jeito.
Então se voltou para a Vespa, caminhando ao redor dela e analisando novamente o trabalho deles.
- É, você está linda. Hora de te levar lá para baixo.
Ele parou, só naquele momento parando para pensar como faria aquilo. Voltou para o vão e olhou para baixo, sabendo que não conseguiria levá-la nas costas pelas escadas.
- Hmmm - colocou a mão no queixo, pensando. - Será que ela aguenta? Acho que aguenta.
Alberto voltou para a Vespa e se posicionou atrás dela, empurrando-a sem esforço para o vão, jogando-a de lá.
E ela fez um barulho horrível ao se chocar contra a grama, se desmontando inteira. As peças voaram para todos os lados, algumas partidas, rolando e se arrastando pela grama. Logo, a Vespa era outra vez somente uma pilha de objetos achados no Oceano.
Alberto ficou olhando para ela durante longos e silenciosos segundos.
- É, ela não aguentou.
Então suspirou, pegando o martelo e a caixa de pregos, descendo da torre para remontá-la. Seria trabalhoso fazer tudo sozinho, e talvez demorasse mais tempo do que da primeira vez, mas ele não se importava de verdade.
Não se ele pudesse andar nela com Luca no dia seguinte.
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Mil Memórias
Fanfiction{Luca x Alberto} Memória. Por definição e conceito, é a capacidade que os seres vivos tem de adquirir, armazenar e evocar informações que ficam guardadas em um - e, às vezes, mais de um - local da mente. A memória pode ser fraca ou forte, pode ser i...