20. quando uma velha lição é repassada

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Luca pensou que nunca foi tão feliz e tão triste ao mesmo tempo em toda sua vida.

Ele se segurava no corrimão da entrada do trem, o braço livre estendido para o Oceano como se quisesse tocá-lo mesmo que seus olhos estivessem no céu que derramava as lágrimas que ele já havia parado de derramar, a água deixando-o em sua forma original.

Ele se encolheu quando o túnel escuro se aproximou e, quando o trem voltou para a luz e para o dia que cheirava a despedida e a recomeço, a passado e a futuro, Luca voltou a se pendurar do lado de fora, um sentimento agridoce rodopiando em seu peito.

Porque ele mal cabia em si de felicidade ao finalmente ter conquistado sua liberdade e estar a caminho de um mundo novo, do desconhecido e do inexplorado que ele queria desvendar, radiante e com o coração aquecido por seus pais finalmente terem-no deixado viver e o apoiarem e amarem acima de qualquer coisa.

Mas, ao mesmo tempo, partia seu coração e o fazia se sentir caindo em um precipício de tristeza ter que deixá-los para trás. Deixar Alberto para trás, junto com tudo o que conhecia e que eles poderiam viver juntos.

Luca sentia que estava deixando uma parte grande de si mesmo em Portorosso – a maior delas diretamente nas mãos do amigo. Depois de tudo o que eles passaram juntos, de tudo o que Alberto o havia dado e feito por ele, era doloroso demais deixá-lo. O moreno havia se tornado a pessoa mais importante de sua vida, de uma maneira completamente diferente de sua família, Giulia ou qualquer outro alguém.

Mas, ainda assim, um sorriso se mantinha em seu rosto com a certeza de que eles se encontrariam outra vez e que, quando esse dia chegasse, ele contaria a Alberto tudo o que havia para ser contado, tudo o que não poderiam ser descritos em cartas. E o abraçaria com toda a força que possuía.

Luca sentiu um toque suave no ombro e se virou para encontrar Giulia parada atrás dele, o rosto dela uma mistura de felicidade e tristeza assim como ele sabia que o seu estava.

— Ohh, Luca... — ela murmurou, puxando-o para um abraço, rindo quando acabou se molhando um pouco.

O menino retribuiu o contato e assim permaneceram por alguns instantes, até que ele sentiu as escamas se retraindo e a forma humana reaparecendo.

Giulia o levou para seus lugares no trem e o instruiu a colocar a mala ao lado da dela no suporte da cabine, fechando a porta. Quando eles se sentaram, um de frente para o outro, Luca ainda lançava olhares para o mar do lado de fora.

Quase podia ver Alberto lá, acenando para ele.

— Será que eu fiz errado, Giulia? — ele murmurou, observando a paisagem passar depressa. — Em ter vindo. Talvez eu...

— Ei, Luca — Giulia chamou, soando mais séria, e ele olhou para ela. — Não pensa nessas coisas. Você fez o que seu coração estava te pedindo para fazer, e isso sempre é o certo a ser feito.

— Mas é que depois de tudo o que aconteceu... Parece tão errado eu estar aqui agora e tê-los deixado para trás. Ter deixado Alberto para trás — a última frase soou mais baixinha, e ele baixou os olhos para as mãos que se remexiam sobre o colo.

Mas Giulia apenas riu, se sentando ao lado dele e colocando uma mão sobre as suas inquietas.

— Luca, sempre que você se sentir dessa maneira, lembre-se de uma coisa... Aqueles que nos amam nunca nos deixam de verdade. Você sempre pode encontrá-los bem aqui — colocou uma mão sobre o coração dele e sorriu outra vez. — E isso vale para os dois lados: você nunca deixará as pessoas que ama, assim como elas nunca deixarão você. O amor é a ponte que os une, não importa aonde estejam.

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