8. quando tudo se perde

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Bruno sentia que se um caçador humano o apunhalasse no peito com mil arpões, a dor seria infinitamente melhor do que a que ele estava sentindo naquele momento.

- Não! - gritou, os olhos ardendo. - Ciara!

Mas já era muito tarde para chamar por ela, para avisar que tivesse cuidado, para puxá-la de volta.

Ele desviou os olhos do vermelho que se espalhava, subindo espiralado, e nadou até o filho de onze anos. E cortou seu coração ver os olhinhos brilhando em terror ao olhar para a mãe daquela maneira.

Bruno apertou o rosto dele contra o peito, tanto para impedir que Alberto continuasse a ver aquilo quanto para tentar impedir a si próprio de entrar em colapso.

- Alberto, feche os olhos e não abra até eu pedir, tudo bem?

Mas o garoto não esboçou nenhuma reação, parecendo apenas um amontoado molenga de algas em seus braços, e Bruno conteve o acesso de choro que o ameaçou derrubar outra vez.

- Filho, feche os olhos, por favor - implorou, olhando profundamente para Alberto, percebendo que ele mal parecia presente.

Então o virou de costas, ainda sem perceber nenhuma reação, e se certificou de que ele não iria se virar antes de nadar de volta para Ciara.

Ela estava encolhida no chão arenoso, o rosto retorcido em dor, o sangue fluindo livremente dos furos que as hastes haviam causado.

- Querida, ei - ele chamou, a voz dividida entre delicadeza e angústia. - Vamos tirar você daí, ok?

Ela fez um esforço visível para abrir os olhos e sorrir para ele, e Bruno sentiu que seu coração havia se partido outra vez. Ele se aproximou mais, analisando aquela armadilha humana em busca de formas de abri-la, mas desistiu quando Ciara soltou um gemido de dor.

- Aguente só mais um pouquinho, querida. Você está indo bem. Que garota boba, me assustando desse jeito. Você sabe que eu tenho coração fraco, meu amor.

Bruno não conseguia parar de falar. Ele fazia isso quando estava nervoso com alguma coisa. Mas ele nunca teve tão em pânico quanto naquele momento, mesmo que estivesse tentando se conter.

Ciara não estava respirando direito e havia vermelho demais, demais, jorrando dela sem parar, e um soluço engasgado saiu de sua garganta.

Por que ela não estava falando nada? Por que só estava parada sorrindo daquela maneira para ele, como sorria todas as vezes em que ele ia para a ilha e ela se despedia com um abraço e um volte em segurança, meu amor?

Por que está sorrindo para mim como se dissesse adeus?

Bruno começou a tentar abrir a armadilha, grunhindo em esforço.

Eu não vou deixar que se despeça de mim, Ciara.

- Eu já estou quase conseguindo, querida. Você vai poder sair daí logo, logo. Alberto está preocupado com você, sabia?

Ele olhou para trás, percebendo que o filho estava na exata mesma posição em que o havia deixado, balançando para os lados à mercê das correntes. Seu rosto se contorceu em dor outra vez, as mãos tremendo.

- Estou quase lá. Aguente só mais um pouquinho.

Depois de muito esforço e com a ajuda de uma pedra, Bruno livrou Ciara das hastes enferrujadas e a pegou no colo, deitando-a no fundo do Oceano. Ele se virou para buscar algo, qualquer coisa, para estancar o sangramento no peito dela, mas a mão fraca a puxou de volta.

- Ciara, meu amor, eu já volto. Eu vou só...

Mas ela balançou a cabeça para os lados, ainda sorrindo, aquele sorriso calmo em um rosto repleto de dor, e Bruno não mais conseguiu afastar o choro que o engolfou de uma só vez. Começou a balançar a cabeça para os lados, negando aquela possibilidade, porque Ciara não podia fazer aquilo com ele. Com eles.

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