17. quando é preciso abrir mão

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— Saiam da frente! Essa é a melhor Vespa que o mundo já viu! — Alberto gritou, sorrindo, ouvindo as risadas de Luca e Giulia soarem às suas costas na garupa da motoneta.

Ele a levou, mesmo sacolejante, até o quintal dos Marcovaldo e riu quando ela engasgou até parar com um solavanco mais forte.

— Perfeita — falou, e os amigos riram outra vez.

Alberto ainda mal conseguia acreditar que eles haviam vencido a corrida, mesmo que o peso do troféu em sua cabeça fosse um lembrete palpável e real daquilo. E ele também mal conseguia acreditar que eles haviam começado uma pequena revolução ali em Portorosso, e que agora alguns humanos os aceitavam em seu meio como iguais.

Ele até tinha ficado chocado que aquelas duas velhinhas que o jogaram sorvete e o bateram com a bolsa também eram como ele e viviam ali escondidas!

Portorosso, sem que ele percebesse, acabou de tornando um lar. Talvez, quando ele estivesse cansado de viajar com Luca e quisesse um lugar para retornar, poderia voltar para lá.

E ele estava simplesmente extasiado que haviam conseguido a Vespa que tanto queriam e poderiam, enfim, viajar ao redor do mundo.

— Então, aonde vocês vão primeiro? — perguntou Giulia, e Alberto olhou para Luca antes de responder.

— A gente vai ficar aqui um tempo. Temos que consertar essa Vespa antes de sair por aí conhecendo toda a Terra.

Giulia riu, concordando com ele.

— Beleza, só não vai esquecer a mochila — então arfou, parecendo ter se lembrado de algo importante. – Santa gorgonzola! Esqueci a mochila! Para a escola!

— Ah, é, escola... — veio a voz cabisbaixa de Luca, e Alberto olhou para o sorriso triste que ele direcionou a Giulia. — Você vai estudar, que demais.

— Eu posso te deixar uns livros — Giulia ofereceu e Luca pareceu se animar de verdade.

— É sério?! — perguntou, feliz, e riu quando a menina confirmou ao chamá-lo para dentro.

Luca tocou na mão de Alberto, chamando-o para ir junto antes de correr para seguir Giulia.

Mas Alberto não foi, não de imediato, porque ele se lembrou de tudo o que havia acontecido para ocasionar a briga que eles tiveram: que Luca tinha um novo sonho agora. Ele queria ir para Genova com Giulia e estudar, aprender coisas que só uma escola humana poderia ensinar.

Ele baixou os olhos para a Vespa em sua mão, sabendo que ela significava todo o futuro que eles poderiam ter juntos pela frente, tudo o que eles planejaram no início.

Mas então encarou a porta pela qual Luca havia desaparecido e Alberto soube que ele jamais poderia ser egoísta daquela forma. Porque é bem verdade que, depois da briga que tiveram, Luca havia feito de tudo para vencer a corrida como uma maneira de consertar as coisas com Alberto, como um pedido de desculpas por tê-lo magoado.

Mas Alberto também sabia que, por mais que ele quisesse conhecer o mundo e ele sabia que queria, Luca queria muito mais ir para a escola. E que, se era algo que o amigo queria tanto, então ele faria de tudo para acontecer, como sempre havia feito.

Então baixou os olhos para a Vespa outra vez, sorrindo tristemente para ela como um pedido de perdão por deixá-la para trás depois de tão pouco tempo juntos, mesmo que fosse necessário.

Luca havia feito de tudo por ele, e ele faria de tudo por Luca também.

E enquanto o amigo estava distraído com os livros de Giulia, ele puxou a menina de lado para um lugar onde a conversa não seria escutada e a perguntou tudo o que podia sobre como é a escola.

— E sobre o dinheiro? — Alberto perguntou depois de alguns minutos de conversa cochichada. — Lá no monte você disse que sua escola é aberta para todo mundo, mas não é de graça. É muito caro para estudar lá? Mais caro do que uma Vespa?

— O quê?! Não! — Giulia disse, rindo. — Uma Vespa igual a que vocês compraram seria o suficiente para um ano inteiro de estudos lá.

Alberto concordou lentamente com a cabeça, sentindo algo clicar em sua mente.

— Mas por que você está me perguntando tudo isso, Alberto? — Giulia questionou, olhando-o curiosa. — Mudou de ideia sobre viajar o mundo?

— Na verdade... — ele começou, sem saber direito o que responder, mas a risada empolgada de Luca se fez ouvir do final do corredor e ele sorriu na direção do som. — É que eu sei que é isso o que Luca quer de verdade. E eu não posso e nem vou negar isso a ele.

Giulia sorriu abertamente, pulando no lugar.

— Uuhhh, isso é incrível! — gritou animada, e Alberto tapou a boca dela com as mãos.

— Shhh! É para ser uma surpresa, sabe?!

— Giulia? — veio a voz de Luca, pouco antes dele colocar a cabeça para fora do quarto e franzir as sobrancelhas ao ver os dois amigos parados ali. — O que vocês estão conversando?

— Ahhh... — fez Alberto, se remexendo inquieto no lugar ao ver Luca se aproximar. — Er... A gente estava falando sobre... Hum...

— Sobre os lugares que vocês podem ir depois de consertarem a Vespa — disse Giulia, rápida ao inventar uma desculpa, e Alberto soltou o ar aliviado. — Alberto veio me pedir conselhos já que eu conheço mais sobre geografia.

— É, isso aí — Alberto concordou, mesmo que não tivesse a mínima ideia do que aquela palavra significava.

Luca ainda franzia as sobrancelhas em desconfiança, mas depois sorriu para eles.

— E que lugar você escolheu, Alberto?

— Ahh... Bem, eu estava pensando na gente escolher juntos — ele respondeu, sorrindo nervoso, e cutucou as costelas da menina ruiva com o cotovelo. — Vai Giulia, fala para ele o que você me disse.

Ela o olhou com uma descrença divertida antes de caminhar de volta com Luca para o quarto, falando para ele nomes de lugares que Alberto nem ao menos sabia onde ficavam.

E mais tarde naquele dia, quando Luca foi embora de volta para o Oceano com os pais – já que ele já tinha se resolvido com eles –, Alberto ficou ali para continuar sua conversa com Giulia.

E ela o disse que eles precisariam de um plano para resolver todas as questões para a viagem deles, sem que Luca desconfiasse de nada, até que eles precisassem embarcar para Genova na tarde do dia seguinte.

Então, depois de montado o plano, ela foi com Alberto até a loja de motonetas.

— Não feche ainda! — eles gritaram para o velho senhor que era dono do estabelecimento. — Precisamos de uma mãozinha aqui!

Empurraram a Vespa até a porta dele, que franziu as sobrancelhas em confusão.

— Crianças? O que aconteceu?

— Er, bem... Nós queremos saber se... Se o senhor quer comprar a Vespa de volta — Alberto falou, parecendo ter dificuldade de colocar as palavras para fora, e Giulia lhe deu alguns tapinhas nas costas em apoio.

O homem pareceu absolutamente surpreso.

— Mas... Vocês compraram ela não tem nem três horas.

— Nós sabemos, mas... É que...

— Precisamos do dinheiro de volta. Há algo mais importante em que precisamos usá-lo — Giulia completou por ele, apoiando uma mão no ombro moreno.

O vendedor olhou de um para outro por alguns instantes, avaliando as palavras deles enquanto ponderava, até que sacudiu os ombros e confirmou com a cabeça.

Alberto sorriu tristemente uma última vez, tocando o guidão da Vespa em despedida, e voltou com a ruiva para a casa dos Marcovaldo com as dezenas de notas apertadas firmes contra o peito.

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