19. quando uma nova lição é aprendida

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Não era a primeira vez e nem seria a última que Massimo via a si mesmo em Alberto.

Ele se viu naquele garoto magro e de roupas estranhas que adentrou em sua casa pela primeira vez, que tinha dificuldades com coisas simples como comer macarrão usando garfo e não parecia ter conhecimento de muitas coisas, mas tinha uma sabedoria vasta sobre outras. Ele se viu na forma como Alberto sempre tentava se mostrar forte e estava disposto a fazer de tudo pelas pessoas que amava.

E isso os tornou próximos, muito mais do que ele pensou que ficariam.

Próximos o bastante para, em seu coração, ele já ter feito de Alberto parte de sua pequena família, anteriormente composta apenas por Giulietta e Machiavelli. Próximos o bastante para que seu instinto paternal notasse coisas que as pessoas em um geral não notavam, como o pequeno sorriso carinhoso que o garoto tinha no rosto ao passar o dedo sobre o desenho de Luca, poucas horas antes do menino e sua filha embarcarem para Genova.

Ele mal parecia perceber que sorria aquele sorriso que Massimo conhecia muito bem.

Alberto era um garoto bom. Ele era esforçado e curioso, tinha energia de sobra e era realmente um bom ajudante de pescaria e um ótimo aprendiz, além de ser uma companhia agradável para seus dias antes tão solitários, mesmo quando Giulia estava em Portorosso – porque ela nunca se interessou muito por pesca, preferindo ajudar a vender os peixes do que pescá-los no mar.

E foi por todos esses motivos e por muitos outros que Massimo o chamou para morar com ele. Porque ele sabia que Alberto era sozinho e estava prestes a perder a única pessoa que tinha ali naquela cidade, assim como ele, então Massimo pensou que não haviam motivos para eles dois serem sozinhos quando poderiam fazer companhia e ser a família um do outro.

Então, naquela tarde, ele olhava para aquele menino parado na chuva, os ombros lilases sacudindo com soluços que ele visivelmente estava tentando conter, olhando para o vão escuro onde o trem havia desaparecido e toda aquela cena era de cortar o coração.

Mas, para Massimo, era ainda mais avassaladora pois ele enxergou a si mesmo ali, parado naquela mesma estação observando o trem partir levando Elisa e Giulia para longe dele. Massimo sabia perfeitamente o que Alberto estava sentindo naquele momento: abandono, mesmo que ninguém o houvesse abandonado. A partida de alguém que ele amava e a nova realidade de tentar conviver com a saudade e o vazio deixado até que esse alguém retornasse.

E foi por isso que ele se adiantou para frente, sem se preocupar com a chuva que caía fina e gelada, caminhando até parar ao lado de Alberto. Passou o braço ao redor dos ombros do garoto e o acolheu quando ele deixou o peso do corpo se apoiar contra si, esfregando os olhos.

— Será que eu errei em escolher ficar? — Alberto murmurou como se estivesse falando consigo mesmo, e se sobressaltou ao perceber que havia dito em voz alta. — Quero dizer, não que eu não esteja agradecido pela sua oferta...

Mas Massimo apenas riu, lhe dando tapinhas no ombro que segurava com proteção.

— Sabe, Alberto, você sempre deve ser quem é quando está com as pessoas. E, se amá-las, ame com todo o seu coração. Ame ao ponto de saber deixá-las livres, porque quando se ama alguém, deve-se saber deixar partir. Porque, se voltar para você, então saberá que as cativou verdadeiramente apenas sendo quem é. Saberá que é amado com todo o coração, também.

Alberto fungou, os olhos ainda presos no túnel escuro. O som do trem não podia mais ser ouvido, a distância e o barulho da chuva cobrindo quaisquer resquícios de ruídos.

— Mas... E se não voltar para mim? — perguntou ele, e Massimo viu a si mesmo nele outra vez.

Porque ele sabia que Alberto, por mais que fosse um garoto bom, era extremamente inseguro sobre seu papel e sua importância na vida das pessoas. Ele temia que Luca o esquecesse e nunca mais voltasse, ou que voltasse diferente do que havia partido, e ele se lembrou de sentir a mesma coisa sobre Elisa e Giulia quando elas partiram.

No final de tudo, Elisa nunca voltou para ele. Mas Giulia sempre voltava, e ela era sempre sua menina.

— Vai voltar. Mas, se não, ao menos você as amou. E talvez, no curto tempo que tiveram juntos, também foi amado. E isso basta. Porque a vida às vezes leva as pessoas por caminhos diferentes, mas isso não significa que o que passou não foi real.

Alberto soluçou, se agarrando a Massimo com força, e o homem grande o apertou um pouco mais.

— Mas ainda dói — o garoto murmurou, a voz quebrando devido ao choro.

— Mas vai passar. Eu prometo — Massimo assegurou, ouvindo os passos atrás de si antes que a família de Luca se juntasse ao abraço de consolo daqueles que ficaram para trás.

E Massimo sabia que se olhasse aquela cena de fora, acharia irônica, cômica, engraçada e tudo o mais que ele pudesse pensar porque, convenhamos, ele era um dos maiores caçadores de monstros marinhos de Portorosso até alguns dias atrás, e então se via completamente cercado por eles de uma maneira que nunca imaginou, com a sua percepção a respeito deles e de todo o resto completamente mudada.

A vida era mesmo uma caixinha de surpresas aleatórias.

Depois de alguns minutos ali, todos se consolando em silêncio pela partida daqueles que amavam, eles voltaram pelas ruas de paralelepípedo até a enseada de Portorosso. Massimo convidou a família de Luca para jantar na casa dele – e que agora seria de Alberto também – e, enquanto comiam, aproveitaram para se conhecerem melhor.

Algumas horas e muitas conversas e risadas depois, eles voltam para o Oceano e Alberto retira a mesa, deixando os pratos sujos na pia.

— Deixe isso para amanhã — Massimo fala quando vê que o garoto está se preparando para lavar a louça. — Descanse por hoje.

Então ele o leva até o andar de cima, abrindo a porta do quarto que Giulia usava quando estava em Portorosso.

— Esse quarto é seu agora — disse para Alberto. — Não se preocupe com as coisas de Giulia. Você pode tirá-las daqui se quiser, e eu guardo no sótão.

— Obrigado, Massimo — Alberto sorriu para ele com emoção entremeada em seu rosto e voz, abraçando-o logo em seguida. — Então... Eu posso decorá-lo como quiser?

— Pode, sim.

— Então amanhã irei até a ilha buscar algumas coisas antes de sairmos para pescar.

— Eu vou com você. Vai ser mais fácil trazer o que você quer no barco do que nadando.

Alberto sorriu outra vez e concordou com a cabeça, entrando no quarto. Ele olhava para tudo como se fosse a primeira vez, mesmo que Massimo soubesse que o garoto já esteve ali antes. Ele tocou a escrivaninha vazia e as prateleiras pregadas na parede, carregada de livros, e passou a mão sobre a cama.

Então se deitou sobre ela e soltou um suspiro preso entre o surpreso e o deliciado, e Massimo se perguntou se Alberto já teve uma cama um dia, ou algo parecido com uma.

Bem, agora ele tinha. Uma cama confortável em um quarto, uma casa, uma família.

No dia seguinte, logo pela manhã, ele dirigiu com seu barquinho pelas águas até Isola del Mare, a ilha que Alberto morava. O garoto o disse para permanecer esperando no barco, pois não iria buscar muitas coisas de lá, e voltou alguns minutos depois com um gramofone antigo, um relógio dourado e velho e um pedaço grande de papel enrolado debaixo do braço.

Ele vinha sorrindo, parecendo muito orgulhoso daquelas coisas em especial, deixando-as com cuidado no fundo do barco.

Massimo não fazia a mínima ideia de onde ele poderia ter arranjado tudo aquilo, mas não se sentia verdadeiramente com vontade de perguntar.

— Vai levar só isso?

— Sim — Alberto respondeu, pronto para embarcar outra vez, mas parou no meio do movimento ao ouvir um ruído nos arbustos ao seu lado.

E Massimo viu seu rosto se abrir em um sorriso surpreso e feliz ao ver a tartaruga que se achegava lentamente para perto dele, o tipo de sorriso que contém um significado muito maior por trás, quase igual àquele que o vira dando na cozinha no dia anterior.

Massimo sabia que, de alguma forma, aquele animal era uma lembrança com Luca.

Então ele apenas sorriu quando o garoto se abaixou com animação, pegando a tartaruga no colo com um grunhido de esforço.

— Podemos levá-la?! — perguntou, radiante, e Massimo não encontrou em si forças para negar.

— Mas é você quem vai cuidar dela.

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