Allice Point Of View
Quando era criança costumava sonhar como seria conhecer meu pai. Às vezes, quando andava na rua e via algum homem que chamava minha atenção, ficava pensando se poderia ser ele. Conforme fui crescendo, aquele sonho foi se extinguindo dando lugar à realidade: eu nunca conheceria meu pai. No entanto, em todos os meus sonhos de criança, nunca imaginei que quando olhasse para mim, na verdade, ele estaria olhando para outra pessoa.
Arthur era exatamente como a fotografia no celular. Os cabelos castanhos no mesmo tom dos meus e de Alinna, os olhos tão similares aos nossos.
- Alinna! - Ele pronuncia o nome num misto de exasperação e surpresa. - Quando voltou...? Como... Onde... - solta um palavrão exasperado e escuto um arfar abalado. Nós dois olhamos para a criança que olha de um para outro com uma expressão assustada.
- Oi, Elisa - consigo dizer o mais calma possível e até esboço um sorriso, ainda com Stella grudada em meu pescoço que, pelo ressonar profundo, percebo que adormeceu de novo.
Elisa não retribui meu sorriso.
- Oi. - Sua voz é fria, como nunca imaginei que a voz de uma criança poderia ser. E isto, acrescido da rejeição em seu olhar, antes de ela arrastar os pés para fora da cozinha desaparecendo do meu campo
de visão, corta meu coração.
Era óbvio que Elisa estava magoada.
Volto a encarar Arthur. Meu pai.
Meu Deus!
- Onde diabos estava, Alinna,
Engulo em seco.
Não era sobre aquilo que eu queria falar. Queria falar sobre vinte e oito anos atrás. E de repente tenho vontade de despejar toda a verdade. E gritar. E perguntar por que ele nunca me quis.
Um resmungo da criança em meu colo faz eu me acalmar e suspiro, apertando Stella.
- Vou colocá-la na cama - digo, não só porque preciso mesmo colocar a criança adormecida para dormir, também porque quero escapar de sua presença por um momento.
Ao passar pela sala, noto que Henry continua brincando tranquilo com um chocalho no cercado. O que não deixava de ser admirável, considerando-se o tempo que estava sozinho. Talvez estivesse acostumado a ficar só, por isso não chorava em busca de atenção?
Chego ao corredor e paro indecisa. Há três portas e me pergunto onde seria o quarto de Stella?
Caminho resoluta e, ao passar pela primeira porta do lado direito, vejo Elisa lá. Paro por um momento. O quarto tem uma cama branca de ferro com colcha rosa, um estante com livros, uma escrivaninha e alguns ursinhos espalhados. Elisa, que estava mexendo na mochila sentada na cama, levanta a cabeça quando me vê, se aproxima da porta com poucos passos e a bate na minha cara.
Luto contra a dor no peito e continuo em frente.
Graças a Deus a próxima porta deve ser o quarto das outras crianças, pois tem uma cama menor e um berço. Deposito Stella na cama e puxo a coberta sobre ela, que resmunga e continua a dormir.
Permaneço um pouco ali, ouvindo seu ressonar tranquilo, engolindo o nó que cresce em minha garganta até se tornar grande demais para segurar e se romper em soluços dolorosos. Choro pela raiva de Vinnie, que machuca mais do que os punhos de Nailea em meu rosto. Choro por aquela criança que dorme tranquila, que havia se agarrado a mim, cheia de uma carência sofrida. Pelo bebê que brincava sozinho
no cercadinho, sem ter atenção. Pela menina que bateu a porta na minha cara minutos atrás, cheia de mágoa. Pelo homem que sonhei a vida inteira em conhecer e que agora me olha como se eu fosse outra pessoa.
E, sobretudo, choro pela minha inocência ao concordar em substituir Alinna sem fazer ideia da confusão que ela deixou para trás e que agora eu teria que resolver.
- Alinna? - Escuto Arthur chamar e enxugo o rosto rapidamente.
Respiro fundo algumas vezes no corredor e volto para a cozinha.
Arthur me encara como eu imagino que um pai deve encarar a filha que aprontou algo que ele não gostou. Pergunto-me se era com este olhar que encarava Alinna quando ela não andava na linha quando era adolescente. Deve ter acontecido muitas vezes, se levarmos em conta as coisas que Alinna aprontava.
- Estava chorando? - Ele franze o cenho. Dou de ombros.
- Elisa está com raiva - opto por parte da verdade.
- Esperava o quê? Ela não é como Stella, que conseguimos enganar dizendo que a mamãe foi viajar e iria voltar logo! Ela não acredita mais em historinhas inventadas.
- Eu...
- O que se passa em sua cabeça, Alinna? Sabe pelo que o Vinnie passou quando desapareceu? O que todos nós passamos?
- Não foi minha intenção...
- Nunca é! - Ele joga as mãos para cima, exasperado. - Eu tento desculpar suas criancices, mas desta vez você passou de todos os limites do que é aceitável! Sumir no meio da noite, largando seus próprios filhos para trás, não dar notícia...
- Eu falava com Vinnie.
- Quando ele insistia muito! Nunca deu uma satisfação, nem disse onde estava.
Eu podia contar de Alice. Podia dizer que Alinna foi embora para encontrar a mãe ausente que pediu sua presença antes de morrer. Mas se eu contasse a verdade estaria colocando nossa farsa em jogo.
- Ele iria querer que eu voltasse - opto por repetir as palavras de Alinna.
- E não deveria querer? Ele é seu marido.
- Nós estamos com problemas. - Não sei até onde Alinna contou a Arthur sobre seus problemas conjugais.
- E não estão desde sempre? Eu devia ter impedido que se casassem, esta é a verdade! Mas o que eu podia fazer? Você estava grávida! E Vinnie parecia um rapaz muito correto, achei que seria bom para você ter alguém com a cabeça no lugar para te guiar, aparentemente o que fiz foi jogar uma bomba para este pobre rapaz segurar.
Eu me encolho com o desabafo de Arthur.
- Papai...
- Agora sou papai? Onde está o Arthur? - Opa, Alinna não chamava Arthur de pai? - O que está pretendendo Alinna?
- Por que todo mundo acha que estou pretendendo algo escuso, não posso simplesmente ter voltado para casa?
- E quer que todo mundo aceite sua volta como se nada tivesse acontecido?
- Estou aqui, não estou?
- Sim, está. Onde esteve todo este tempo?
- Com uma amiga - digo vagamente o que eu e Alinna combinamos.
- Amiga? Onde?
- Los Angeles.
- Como arranjou uma amiga de Los Angeles?
- Pela internet.
- Ah, Alinna, quantos anos você tem? Não vai crescer nunca? Se aprontasse uma destas quando tinha quinze anos, eu até entenderia, mas você tem vinte e oito. É mãe de três filhos! Quando vai criar responsabilidade? Não sei como Vinnie aceita seus desvarios! Acho que tenho que agradecer por ele não te colocar para fora de casa com essas crianças, outro no lugar dele faria isso!
- Você teria me aceitado em casa, se meu casamento acabasse? - Ouso perguntar. Porque me lembro que Alinna não estava feliz. Que não dividia a cama com Vinnie há muito tempo. E foi para Los Angeles sem hesitar, sem olhar para trás. Talvez minha tentativa de tomar seu lugar e tentar consertar as coisas até a sua volta não resultasse em nada afinal. Seria uma pena. Mas eu não era Alinna. E minha presença era só paliativa.
- O lugar de uma esposa é ao lado do seu marido - ele diz.
Me dá vontade de perguntar se ele pensava assim quando mamãe foi embora, e por que ele não fez nada para impedir. Será que não a amava o suficiente?
E eu?
Por que ele escolheu Alinna e me deixou ir?
- Olha Alinna, apenas... - Ele solta um suspiro cansado. - Só resolva esta confusão que criou.
Mas saiba que não vai ser fácil.
- Acha que conseguirei? Acredita que Vinnie vai me perdoar? - ouso perguntar.
- Vinnie está pensando nos filhos. Ele sempre pensa neles em primeiro lugar, por isso te aceitou de volta.
- Acha que um casamento deve ser assim? Se não tem mais amor... -digo baixinho, expressando algo que nunca havia nem cogitado em pensar. Que não existisse amor entre Alinna e Vinnie.
Era doloroso pensar assim. Ela era minha irmã, existia um lado meu que queria o melhor para ela. Que queria que tivesse uma vida feliz. Que resolvesse suas diferenças com Vinnie, voltasse para casa e fosse feliz. De longe, não entendia por que para Alinna era tão difícil se esforçar para ser feliz ali.
Afinal, a vida que ela pintava, com um marido e filhos era tudo o que sempre quis para mim. Era meu desejo secreto. Mas ela insistia que não estava feliz. Que a vida em Seattle, uma cidade pequena, com um marido e filhos, com pouco grana e sem a agitação de uma cidade grande, não a satisfazia. Eu não compreendia. Achava que Alinna estava exagerando sua insatisfação, que era apenas uma crise que poderia acontecer a qualquer um.
Eu mesma não estava em crise com a minha vida, quando qualquer pessoa de fora diria que eu tinha a vida perfeita? Era jovem, rica, famosa, bem-sucedida numa carreira glamorosa.
No entanto, nada disto era o que queria. Trocaria facilmente por uma vida simples, como a de Alinna.
E havia realmente trocado.
Agora sendo Alinna e vendo sua vida mais de perto, começava a entender que os problemas dela eram mais profundos do que eu imaginava afinal.
E não sabia como lidar com eles.
Inferno, eu não era ela. E nem deveria estar ali.
Mas eu estava.
- Você não ama mais seu marido? - Arthur pergunta por fim.
E o que posso responder? Eu não sou Alinna.
De algum lugar da casa um choro de bebê se faz ouvir e Arthur me encara.
- Vá cuidar do seu filho, Alinna.
Ele sai pela porta e fico paralisada, com vontade de chorar.
Com vontade de correr atrás dele e me agarrar em suas pernas, como a criança carente que fui.
Que eu ainda sou.
O carro de polícia parte e o choro de bebê fica mais alto. Enxugo as lágrimas que nem percebi estar vertendo e corro para pegar Henry.
- Ei, bebê, está tudo bem? - O acalento, ele continua a chorar. Será que está com fome? Deus, o que eu sabia sobre cuidar de uma criança?
Resolvo olhar a fralda e constato que está toda molhada. Tentando conter o medo, o levo para o quarto, graças a Deus seu choro já está passando quando chego lá. Coloco-o sobre um móvel que parece um trocador e abro as gavetas embaixo. Para meu alívio, encontro fácil fraldas e lenços para limpá-lo.
- Hum, vamos lá, garoto, me ajuda hein? - peço baixinho, Henry parece ser um bebê tranquilo, pois não oferece resistência, quando tiro sua fralda, o limpo e coloco outra.
Bem. Não foi tão difícil!
Vejo um carrinho num canto e o acomodo nele e volto para a cozinha. A noite já caiu, percebo, ao olhar pela janela e começo a abrir todos os armários, até encontrar algumas mamadeiras.
Encontro o leite, colocando-o para ferver e depois na mamadeira. Espero ter acertado, fico aliviada quando Henry aceita a mamadeira sem reclamar. Provavelmente deveria estar com fome. E estou terminando de dar a mamadeira quando Vinnie entra pela porta.
Ele me encara com aqueles mesmos olhos frios de antes até desviá-los para o bebê no meu colo. Antes que qualquer um de nós fale alguma coisa, Stella aparece choramingando.
- Papai...
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𝐓𝐡𝐞 𝐄𝐱𝐜𝐡𝐚𝐧𝐠𝐞 | 𝐕𝐢𝐧𝐧𝐢𝐞 𝐇𝐚𝐜𝐤𝐞𝐫 ✓
Romance◩ 𝐓𝐡𝐞 𝐄𝐱𝐜𝐡𝐚𝐧𝐠𝐞 ◪ 𓏲໋ׅ ᴠɪɴɴɪᴇ ʜᴀᴄᴋᴇʀ ᴀᴅᴀᴘᴛᴀᴛɪᴏɴ. A tímida e insegura Allice Smith, passou a infância e adolescência como filha única, se mudando de cidade em cidade com uma avoada mãe. Adulta, se mudou para Los Angeles para fazer faculdade...