Capítulo 1 - O Passado de Ariel

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Eu amava minha mãe. De verdade. Fazia tudo para que ela pudesse sorrir.

Eu sentava quietinho, negava-me a fazer um pio. Sabia que ela não gostava quando abria a boca. Olhava-me com aquele olhar reprovador, o qual eu associei as palavras "Menino mal", "traquinagem", "impossível" e aquele costumeiro "Que gênio, hein?".

Não sabia as razões para elas, mas compreendia que eram desaprovadoras, ruins, algo que devia evitar escutar. Quando escutava, eu era colocado de castigo no banquinho no canto do quarto, às vezes esquecido lá por horas. Os outros observavam atentos, meus irmãos. Alguns tentavam se aproximar, conversar com ela. Porém, eles sabiam tanto quanto eu das razões pelas quais ela fazia isso.

Lembro-me de um dia que ela confessou tudo, três palavras tão simples.

"Eu te odeio!" Ela gritou, com os olhos assustados, como se ela mesma não tivesse descoberto o próprio sentimento apenas quando deixou estas palavras saírem de sua garganta.

Estávamos sozinhos em casa. Eu estava de pé, ao lado de um vaso velho de casa que havia se partido em pedaços, olhando-a com os olhos verdes espantados em sua direção. Eu estava tentando alcançar o pote de biscoitos, deixado lá por ela mesma, que dizia que eu não merecia eles.

"Por que você é assim?! Menino impossível. Eu não entendo. Eu nunca fui tão traquina quanto você quando eu era pequena. E ainda assim, como você pôde quebrar o vaso de vovó? Menino mal."

Pegou meu braço com força, caí de joelhos, comecei a chorar e pedir que me perdoasse, como geralmente fazia. Mas não tinha como desfazer o que fiz. Eu tinha sido um menino muito ruim, muito travesso.

Trancou-me no depósito, junto com as vassouras, esfregões e a poeira. Disse que não podia me encarar até terminar de limpar a sujeira das cinzas da vovó do vaso que tinha quebrado. Escutei-a limpar, e logo veio o silêncio. O escuro.

Adormeci ali. Acordei na minha cama, e descobri que quem me tirou dali foi o meu pai, quando chegou do trabalho.

Escutei os dois gritando fora do meu quarto. Tive muito medo de sair. Era tudo culpa minha, eu pensava enquanto me enrolava nos lençóis.

" Por que insiste em tratar a criança assim? Ele nem sabe porque é tratado assim, e você sabe disso!"

"Eu não consigo, não entende? Eu não consigo sequer olhar na cara dele! Toda vez que vejo..."

"Não ouse culpar o menino por algo que ele não tem culpa!"

"Mas é a verdade! Eu não consigo! Ele é igualzinho! Igualzinho! Toda vez que olho pra ele, eu lembro aquele canalha, aquele infeliz!" Som de choros seguiram, mais baixos e contidos que os meus, enquanto eu soluçava no travesseiro para abafar.

"Pare, você tem a mim agora. Isso aconteceu há 6 anos, não pode deixar que essas coisas afetem o pobre menino que nem sabe..."

"Ah, mas você não entende! Não foi você que teve que aguentar os abusos, ou que segurar o choro enquanto ele apontava uma arma na sua cabeça ao mesmo tempo que suas mãos me traziam para perto. Não foi você que foi estrupado por um canalha de um bandido!"

"Alice!"

Eu nunca soube porque minha mãe me odiava. Só sabia que isso, assim como meus olhos verdes e cabelo dourado, era um fato e um fardo que eu iria carregar pro resto da vida.

Meu nome era Ariel Amadeo Domingos.

Ariel.EXEOnde histórias criam vida. Descubra agora