Capítulo 5 - O Passado de Ariel(Parte 2)

21 2 0
                                    

Em pouco tempo, eu estava aprendendo inglês. Precisava saber inglês para que pudesse compreender as línguas do computador. Todas necessitavam de uma base de conhecimento em inglês, assim como havia diversas fontes na mesma língua que eu podia explorar.

Claro que, isso não impedia a minha exploração com pequenos truques que descobria ao longo do tempo com Breno. Sempre havia algo novo para aprender com a codificação.

Em dois anos, fui capaz de dominar a língua em inglês por meio do uso e exploração dos códigos e linguagens de computador. HTML, CSS, JavaScript... E logo depois C+, Python... Eu estava apaixonado. Apaixonado com as possibilidades, apaixonado com as pequenas experiências que fazíamos naquela garagem, apaixonado com o que eu aprendia a fazer e programar.

Acredito que entre 5 a 6 anos eu passei visitando aquela garagem velha, resolvendo códigos, e mais códigos. Construindo softwares, construindo computadores.

Eu motivava Breno a procurar mais e Breno me motivava a não desistir de tentar mais. Foram os melhores anos de minha adolescência.

Nunca joguei o velho computador fora. O computador, por mais velho que fosse, tinha significado em meu coração. Foi ele que se tornou minha primeira motivação para aprender a codificar, e fora com ele que eu comecei a codificar pela primeira vez. Mantinha-o enfurnado no fundo do guarda-roupa, em um compartimento de sapatos que pouca gente da família usava.

Breno chegou até mesmo a nomear o computador de Grande Bisavô 2000. Chegou a comentar comigo que era uma relíquia, que um dia eu ainda poderia vender por muita grana, porque ele nunca mais tinha visto ninguém com um computador tão velho como este.

Não o usava mais, com a ajuda de Breno para as peças, fui capaz de montar meu próprio computador do zero, adaptado com as ferramentas que precisava para trabalhar nos pequenos trabalhos que recebia. Estava satisfeito com o resultado.

Ainda assim, mantive o computador que construí dentro da garagem de Breno. Tinha medo de levar pra casa. Não sabia dizer se era porque tinha medo de minha mãe jogar o antigo fora ou porque não permitiriam que eu tivesse computador bom. Eu não merecia.

"Você anda fazendo umas coisas muito incríveis, Chorão." Breno comentou, enquanto me observava trabalhar na codificação de um site que me fora pedido.

"Só fazendo o que posso com o tempo que tenho. Você faria melhor."

"Eu não. Já faz um tempo que você me superou, cara. Não percebe?" Essa frase havia soado um pouco triste aos meus ouvidos, o que me surpreendeu. Desviei o olhar do computador para olhar pra ele.

Breno sorria. Um sorriso triste.

Lembrei-me que ele havia me confessado há alguns meses o quanto desejava passar em um curso superior para estudar Ciência da Computação. Era o que estava tentando há anos, porém sempre falhava os testes. Nas últimas duas semanas, ele havia feito o teste pela quinta vez seguida. Dessa vez, ele parecia convencido que iria passar, mas seu sorriso parecia dizer o contrário.

"Não me diga que você não..."

"Passei. Passei, sim."

Levantei de minha cadeira.

"Breno! Isso é incrível! Você vai pra faculdade, Caraio!"

"Eu sei, eu sei! Também estou muito empolgado... É só que..."

"O que foi?"

"É longe, Ariel."

Entendi o que queria dizer. Ele iria me deixar. Viajar para outro estado, para que pudesse estudar lá. A gente teria que se separar.

"Eu tento passar no mesmo curso que você!"

"Não, Ariel. Esse curso, apesar de ser na área, não é tão bom como imagina. Você aprendeu a codificar comigo em uma garagem em menos de 5 anos, e já está realizando alguns trabalhos fodas. Cara, você tem potencial pra crescer aí."

"Não quero ter que ficar longe de você. Não quero ficar sozinho aqui, eu nem sei o que ela vai fazer se..." Minhas mãos tremiam.

"Ariel, respira. Ariel, se acalma."

Eu não conseguia. Pensar que eu não teria a garagem do Breno pra fugir quando eu precisasse me fazia ficar nervoso.

"Se ela descobrir sobre os trabalhos que ando fazendo... Ou do dinheiro que ganho."

Não mereço. Não mereço.

Eu estava hiperventilando.

Breno segurou meus ombros, me puxando, quase me levando para o sofá velho e despedaçado do canto. Sentou-me lá, e pediu que eu olhasse pra ele com muita paciência. Não sei quanto tempo ficamos ali, ele esperando que eu acompanhar a respiração em fundo que ele fazia.

Passou-se uma eternidade entre nós enquanto eu tentava não pensar, não pensar, só respirar. Aproveitar o momento de agora, como Breno sempre dizia.

O fato era que, durante os anos de minha infância e adolescência, eu era muito sensível a tudo. Breno não me apelidou de Chorão por nada. Com os anos que passamos juntos, ele percebeu o quanto eu vivia sob um véu de terror e medo de que eu não merecia estar lá, não merecia as coisas que ganhava com meus esforços.

Por incrível que pareça, ele me ajudou bastante, como fazia agora.

Quando finalmente consegui acompanhar e minha respiração voltou ao ritmo natural, eu me senti culpado por ter tido tal reação. Era incrível que ele finalmente tivesse passado em algo que ele desejava fazer, e eu era muito egoísta de querer que ele ficasse só pra me proteger de casa.

"Desculpa aí. Não acredito que eu..."

"Relaxe, Chorão. Já me acostumei contigo perdendo os parafusos como tu faz agora."

Não respondi, soltei só uma risadinha. Conseguia sentir meus nervos à flor da pele.

"Sobre a garagem, eu estava pensando em te dar a chave, mas você não me deu tempo pra terminar."

Não acreditei no que escutei, fiquei algum tempo olhando os botões do sofá velho, antes de lentamente voltar meu olhar pra ele.

"Meus pais já te conhecem, e sabem que você não vem aqui pra fumar nem vender nada. Até gostam quando você vem aqui, fique tranquilo. Toma."

Breno retirou algo no bolso que tilintou e jogou no meu colo. Chaves. As chaves da garagem.

"Bora aproveitar pra fazer uma cópia destas aqui ainda hoje, Chorão." Breno levantou-se, e eu levantei logo em cima, meus olhos cheios de lágrimas que eu segurei para que não escorressem, e o abracei com muita força.

"Você ainda vai tão longe, cara... Eu sei." Falei enquanto o abraçava. Naquele momento, era verdade. Eu sabia o quanto ele era apaixonado pelo que fazia naquela garagem, e ter a oportunidade de estudar em um lugar onde ele poderia explorar isso e criar uma carreira era muito bom. Ele era uma pessoa boa.

Ele aceitou meu abraço.

"Olha quem fala..." Ele respondeu. "Tu ainda vai voar, chorão, e, enquanto isso não acontece, não deixe ninguém cortar suas asas, mano. Elas tão aí, e todo mundo consegue ver, só tu que acha que não tem."
Me deu um soco de leve no ombro, antes da gente sair da garagem a procura de um chaveiro para fazer as cópias da chave. As chaves da garagem.

Ariel.EXEOnde histórias criam vida. Descubra agora