Capítulo 15

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Som alto com músicas em inglês tocavam. Batida alta. Tão alta que mal conseguia escutar outra coisa. Por vezes escutava um grito doce sendo abafado, mas a batida dominava tudo.

Eu apenas seguia a batida, desconectade do resto do mundo. Sabia que tinha bebido demais, e, se não soubesse, tinha as garrafas e latinhas no chão para me contestar. Outro gemido abafado.

Olhei para o homem abaixo de mim e me deliciei com a expressão que fazia. Ele havia me chamado de Princesa na festa. Como a sereia do filme, Princesa Ariel. Eu gostava do apelido.

A batida da música lá fora acelerou, e eu acompanhei. Senti minha própria respiração acelerar e entrar em sintonia com a dele. Queria escutar a voz dele.

Qual era o nome dele mesmo? Não lembrava.

Quando o ponto mais alto da festa chegou, não consegui escutar. O som da batida era muito alto. Lembro de levantar, ajeitar as roupas que usava e fechar o zíper das calças o mais rápido que minhas mãos conseguiam.

Graças a Deus não estava no meu quarto. Saí às pressas de lá, o mais rápido que podia. Avancei pelo corredor cheio de gente como se nada tivesse acontecido, tentando me manter em uma linha reta enquanto seguia para o corredor onde os quartos se localizavam.

 Encontrei o meu, e agradeci porque a porta estava destrancada. Não conseguiria colocar a chave na porta, nem se quisesse. Entrei o mais rápido que pude.

Fui até o banheiro e vi meu estado no espelho. A maquiagem estava toda borrada, e as roupas que peguei emprestado da Manu, minha colega de quarto, estavam todas sujas de cerveja, comida e sémen.

Entrei no chuveiro e tomei um banho mais que merecido. Fiz o máximo que pude para tirar a maquiagem. Escutei a porta do quarto abrir e fechar atrás de mim, e não sabia dizer se o homem que dormia na minha cama tinha criado juízo e ido embora ou se a Manu tinha chegado. Talvez os dois.

Demorei muito no chuveiro, o tempo suficiente para poder deixar minha cabeça relaxar e deixar de ver aquelas fórmulas e códigos desnecessários e malditos que os professores queriam que eu decorasse. Silêncio seguiu, e escutei batidas na porta do banheiro.

"É melhor tu não tá se masturbando de novo, porque eu tô precisando usar o banheiro seríssimo."

Era a Manu. Destranquei a porta do banheiro para ela e voltei para trás das cortinas do chuveiro, enquanto continuei a me ensaboar.

"Tô nada, pode entrar se quiser."

Ela entrou às pressas, mas só escutei os passos enquanto ela sentava no vaso o mais rápido que podia.

"Terminasse aquele projeto da cadeira que tu tava sofrendo?"

"Terminei, sim. Decorando as fórmulas da cadeira de cálculo III"

"Você ainda tenta? Eu já desisti."

"Acabei de desistir. Seja o que Deus quiser."

Terminei de enxaguar e retirar todo o sabão do corpo e do rosto, enrolando-me na toalha e saindo do chuveiro. Manu fechou os olhos por algum motivo que ainda não entendo. Ela sempre fazia isso.

Não que eu fosse atraente por baixo da quantidade de roupas e acessórios que usava. Era um graveto, pra falar a verdade. Culpava as provas finais.

Durante os dois anos na universidade, meu corpo havia praticamente virado uma sanfona. Ganhava peso quando os semestres começavam, por estar finalmente relaxade de não ter mais tantos trabalhos pra resolver. Perdia tudo quando chegava as finais, onde eu não tinha tempo nem de cuidar de mim direito, deixando o sono, comida e a saúde mental de lado.

Não era nada fácil manter as notas acima do mínimo necessário. Não quando estava cercado de gente mais inteligente, capaz, e com mais vantagens que eu. Eu era apenas mais um na sala, e tentava o máximo manter o que já tinha.

Acabei me envolvendo com as festas, as bebidas, as pessoas bonitas de Massachusetts. A verdade era que me sentia muito sozinhe lá e precisava de algo que pudesse tomar como real. A Manu, muito farreira por sinal, me mostrou e me ensinou como era as noitadas na cidade, que, quando se acostuma, não era nada ruins.

Comecei a sair mais com ela, só pra não ficar sozinhe estudando no quarto. Ou para comemorar as pequenas vitórias que tinha no dia a dia de estudante da universidade. As festas faziam com que eu me sentisse incrível.

Quando percebi que ninguém ali não me conhecia de verdade, percebi que podia ser quem eu quisesse. Deixei que as pessoas flertassem, e, quando estava bêbade, flertava de volta. Adorava os apelidos que me davam nas festas, de Princesa, Docinho, Ari, Anjo. Até mesmos os loucos "eu te amo" s que escutava sair depois que eles chegavam no ápice. Não importava quem era ou o gênero. Eu levava todos abaixo.

Algo sobre como me comparavam com princesa ou outros apelidos femininos me intrigou. De uma forma estranha. Eu gostava quando me tratavam carinhosamente, quando me enchiam de beijos quentes, da forma como me tocavam como se eu pudesse me partir a qualquer momento. Acredito que tenha sido porque era algo tão diferente da forma fria que minha família chegava a me tratar em casa, exceto pelo meu pai é claro.

Comecei a provar algumas das roupas de Manu, que me questionou certo dia do porquê eu simplesmente não começava a andar com elas, já que gostava tanto. Segui seu conselho, e adorei ver a forma como me olhavam nas ruas, corredores, nas festas. 

Quando comecei a usar maquiagem, adorei ver como podia ficar bonita. Honestamente, agradeço aos pais da Manu por serem estilistas e terem oferecido a ela tamanho guarda-roupa, e a Manu por ser tão gente boa a ponto de me deixar vestir tudo.

Ela já confessou que achava interessante ver eu me arrumando como se fosse uma adolescente de escola. Além de que, aos olhos dela, eu parecia mais feliz quando estava todo arrumado, mais sorridente. Mais eu.

Um dia, me perguntou se eu era gênero fluido. Não sabia o que era, e pedi que me explicasse. Ela explicou que era uma pessoa que não possui gênero, não era nem homem, nem mulher. Achei bizarro.

Mas um bizarro muito massa. Perguntei a ela o que tinha que fazer para ser gênero fluido e ela me disse que apenas dependia de como eu me via, que tudo que eu precisava ser era eu. Somente eu.

Amei o conceito e a liberdade que ele me dava.

A verdade era de que já fazia um bom tempo que não me importava com que pronomes me chamavam. Ele, ela, ou elu. Bem com a imagem que tinham de mim. Eu apenas sabia que estava amando isso, essa liberdade que nunca tive, de fazer o que eu quisesse quando eu quisesse.

Sai do banheiro, tirei a toalha e vesti a cueca e as calças. Joguei-me na cama do jeito que estava, sentindo o peso do sono me afundar ainda mais no travesseiro. Nem sabia se seria capaz de acordar amanhã para a prova de cálculo III.

Eu daria um jeito. Sempre dava.

Ariel.EXEOnde histórias criam vida. Descubra agora