Ariel.EXE

Capítulo 21

O inverno havia chegado em Massachusetts. Enquanto a neve caía da janela do meu quarto, eu estava sentado em frente ao meu celular. Um dos contatos do Whatsapp que conhecia, mas que evitava checar as mensagens. Era Daniel, meu irmão mais velho. 

A maior parte do dinheiro que eu tinha salvo já tinha acabado. Principalmente porque eu não tinha mais tempo para pegar projetos e trabalhos para alternar, devido as disciplinas do final do curso que tinham ficado muito apertadas.

Acho que fiquei muito tempo com o contato dele aberto. Tentei digitar alguma mensagem bem preparada, mas tudo soava muito falso, ruim. Como se eu estivesse ali só pelo dinheiro. 

O que era verdade, mas não era toda a verdade. Ainda via pessoas como Daniel e meu pai como pessoas que guardaria com muito carinho no coração. Queria apoio e suporte também. Afinal de contas, ter que lidar com tudo isso somente com a Manu tinha sido muito complicado.

Apertei o botão de ligação de voz pelo Whatsapp, pois sabia que a ligação de telefone seria muito cara. Coloquei no telefone e esperei.

Escutei o telefone chamando do outro lado. Já fazia anos que não tinha falado com ele. Comecei a pensar como será que ele estava, o que fazia, quem era Daniel agora.

"Alô."

"Daniel?"

Minha voz soou como uma criança perdida, como se eu ainda fosse aquele menino choroso na frente de um computador quebrado.

"Ariel? É você mesmo?" 

Ele parecia não acreditar que era eu quem ligava. Fazia tanto tempo que eu não escutava a voz dele, senti as lágrimas quentes, malditas sejam, subirem de novo.

"Daniel do céu, sou eu. Ariel."

"Aconteceu alguma coisa? Depois de todo esse tempo, por que você ligaria agora?"

"Daniel, eu…"

Era agora. Não conseguia dizer.

"Eu senti tanto a sua falta…" 

Era verdade. Não estava mentindo. Sentia a saudade batendo no peito assim que escutei a voz dele. Por algum motivo, as memórias boas de minha infância e adolescência passaram por minha cabeça, somente as boas.

A conversa se desenrolou como carretel depois. Conversamos por uns 5 minutos sobre o que tinha acontecido entre nós no tempo que ficamos separados. Ambos evitamos o tema da família, e falamos de nossas vitórias e perdas ao longo dos anos.

Percebi que mudamos tanto desde o tempo que éramos pequenos.

Nós dois nos silenciamos quando não havia mais nada a falar além do necessário. Quando o silêncio se estendeu por um longo tempo, Daniel perguntou se podia desligar.

"Espere, Daniel. Tem mais uma coisa."

"O que foi, Ariel? Você sabe que agora sou muito ocupado e…"

"Eu estou com câncer, Daniel."

Silêncio do outro lado da linha.

"De mama." Soltei uma risada amarga.

"Pera, é sério?"

"Seríssimo. Queria também que fosse brincadeira… Eu preciso de dinheiro, Daniel. Os serviços que faço não dá pra pagar. Eu já usei quase tudo que tinha salvo. Eu n-" 
A garganta fechou. Não conseguia mais falar.

"Você precisa de dinheiro?"

Concordei com a cabeça. Quando percebi que ele não viu, tentei dizer que sim, mas saiu só um gemido. Coloquei a mão na boca pra não ousar fazer com que ele me ouvisse chorar.

"Mas a gente já está pagando as despesas da viagem, inclusive tá sendo um aperto aqui. Tem certeza?"

Engoli o choro e falei que sim com um pouco mais de confiança agora. Perguntava-me porque parecia tão indeciso. Novamente, seguiu-se o silêncio do outro lado da linha. Um silêncio mais longo, pesado, mais macabro.

"Eu vou ver o que podemos fazer aqui, mas quero que saiba que, caso não envie, é porque a situação tá muito difícil."

"Daniel? Aconteceu alguma coisa?"

"Várias. Você não faz ideia… Passou tanto tempo fora."

"O que…"

"Não tenho tempo para responder mais, Ariel. Falamos outra hora. Verei o que podemos fazer no seu caso, mas não espere nada."

Desligou na minha cara.

….

Não ouse pensar que eu estava chorando.

Nem sequer pense que eu estava chorando pela família que eu sabia que não se importava comigo quando eu mais precisava. Não pense que eu estava chorando por causa de minha mãe que nunca me amou, apesar de sempre desejar algo dela. Não pense que eu estava chorando porque eu destruí a relação que tinha com meu irmão para poder "aproveitar" minha vida na faculdade.

Porque eu certamente não estava.

Mas então, por que meu rímel pingava em gotas pretas nas minhas mãos, sujando o modesto vestido branco que havia comprado pra mim mesmo?

◇