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Confesso que não sei por quanto tempo me mantive parada com as mãos sobre a barriga exposta e olhando para o nada depois da ligação de Carina.

Repassei novamente cada momento e revisei tudo o que senti, mas só cheguei a confusão.

Levei um tempo batendo boca comigo mesma em minha mente até conseguir concluir que não estava em condições de concluir coisa alguma.

Meus hormônios estavam a flor da pele, meus sentimentos completamente bagunçados, minha vida, minhas vontades... tudo.

Era como se eu estivesse possuída e não tivesse controle sobre mim para agir com normalidade.

Olhei para minha barriga.

-Você é um demoniozinho igual sua mãe - declarei, tomada pela imagem dos olhos castanhos  devoradores que pareciam invadir minha alma.

Talvez a gravidez não passasse disso: uma possessão.

Subitamente me senti enjoada. Aquilo era como um vírus. Algo entra em seu corpo, suga de você tudo o que precisa para sobreviver e quando está pronto para seguir seu ciclo de contaminação sai.

Que horror! Como as mulheres ainda tinham essa paixão por engravidar?

Aquilo não era nada bonito.

Por exemplo, eu estava com uma prisão de ventre horrível, tudo o que tinha para por pra fora saía como vômito.

Nojento.

Ok que agora eu tenho peitos, mas ao menos alguma coisa boa tinha que sobrar para mim, certo?

-E você não vai sugar meus peitos, coisinha - resmunguei para minha barriga, saltando ao ouvir uma batida na porta.

-Maya? - a voz de minha mãe chamou.

Puta que pariu eu quase morri.

Ai, meu coração!

Achei que ia parir o filho de Carina ali mesmo.

Baixei minha blusa.

-Entre, mama - disse e ela abriu a porta, entrou e fechou, se encostando nela de braços cruzados.

Mau sinal.

Eu podia voltar atrás e fingir que estava dormindo?

-Quando pretende nos contar que está grávida? - minha mãe perguntou, sendo direta.

-Eu...

-Não tente negar, você sabe que eu sei - me cortou como se estivéssemos em um comercial de facas.

Baixei o rosto para minhas mãos em meu colo.

Não era como se não soubesse que esse momento iria chegar, mas alimentei um pedacinho de esperança de que passasse batido.

-Não pretendia contar - admiti, sem coragem de encara-la.

-O que?! - ela exclamou e eu sabia o que estava pensando.

-Não vou ficar com o bebê...

-Maya...

-Mãe, me escute, por favor - pedi, erguendo os olhos.

Minha mãe caminhou lentamente até minha cama e se sentou sem me olhar.

Estava magoada.

-Não vou ficar com o bebê, outra pessoa vai ficar - expliquei - não quero e não tenho condições de ter um filho. Não com a carreira que escolhi e pode me chamar de egoísta, não posso abrir mão disso quando tenho opções. Não poderia oferecer uma vida decente a um filho se desistisse da faculdade e tivesse um emprego miserável, nem poderia se conseguisse terminar a faculdade e seguisse minha carreira.

-E o pai?

-Não sei quem é - admiti - eu fui muito irresponsável, eu sei, mas agora é tarde para lamentar isso.

-Não passou pela sua cabeça que nós podemos ajudar a criar seu filho?

Suspirei.

-Esse é o ponto. Não acho justo com vocês criarem um filho meu quando já passaram a vida toda me criando. Nem acho justo com um filho ter uma mãe ausente e que não tem como ter a certeza de que vai voltar.

Foi aí que mamãe começou a chorar. Ela não gostava da ideia de minha carreira, mas tentava não questionar e agora eu sabia que a odiava ainda mais.

A abracei.

-Desculpe, mama - sussurrei.

Ver a mãe chorar deveria contar como uma das sensações mais dolorosas do mundo.

-Você me deixa em uma situação difícil, Maya - sua voz saiu falha - odeio essa ideia de se arriscar tanto, mas não posso deixar de te apoiar. Não quando entendo de onde partem seus princípios. Meus instintos de mãe estão se esmurrando nesse momento.

-Sinto muito por tudo isso, de verdade, mama.

Mamãe se afastou, passou a mão no rosto para secar as lágrimas e sorriu para mim.

Era um sorriso, frágil, mas entendia seus motivos e seus esforços.

-Me conte sobre esse bebê - pediu.

Encolhi os ombros, porém sorri e olhei para minha barriga

-Essa coisinha me dá um trabalho enorme.

Mamãe riu baixo, negando com a cabeça.

-Filhos dão trabalho desde o momento em que são feitos, querida.

Dei de ombros. Sabia disso. É meio óbvio.

-Sim, mas eu tenho muita pena da mãe dele - disse, erguendo os olhos com uma expressão de pavor muito óbvia - ele parece um demoniozinho me possuindo. Eu só consigo dormir, comer, chorar e vomitar. É assim o tempo todo? Eu sinto que não tenho o menor controle sobre mim.

Mamãe dessa vez riu com vontade.

-Acredite, é assim pelo resto da vida. Nunca tinha pensado nessa ideia de possessão, mas você tem toda razão.

A olhei, não conseguindo evitar meu jeito escandalizado.

-Que horror, mama! Não acho que aguente nove meses fora de controle.

As marcas de riso no rosto de minha mãe se apagaram. Ela me olhou completamente séria por um tempo, então ergueu uma mão, colocou meu cabelo atrás da orelha e acariciou minha bochecha com um sorriso pequeno.

-Existem coisas que fazem tudo valer a pena - falou, envolvida em pensamentos que eu não entendia - nada se compara ao que você sente ao ouvir o coraçãozinho dele bater, ou quando percebe que tem um serzinho inteiro sendo formado dentro de você. Nada se compara a emoção de sentir o primeiro chute, de comprar as primeiras roupinhas e de perceber o quanto ele reage a você. Ter um filho é incrível, querida. Você percebe que esteve enganada o tempo todo sobre o que é o amor no instante em que ouve o som de seu primeiro choro.

Senti meus olhos encherem de lágrimas enquanto ela falava e eles transbordaram quando ela terminou e olhou finalmente em meus olhos.

Não posso dizer que não me senti mexida, mas também não posso dizer que queria voltar atrás em minha decisão.

Eu sabia que Carina sentiria aquilo muito mais que eu tanto quanto já sabia que ela já o amava muito mais do que eu seria capaz de sonhar ser possível.

Eu via aquilo em seus olhos brilhantes.

Eu via como eles não brilhavam como os de uma criança ganhando um brinquedo, brilhavam como os de uma mulher ganhando vida.

Sorri e olhei para minha barriga novamente.

-Bom saber que você não dá apenas trabalho, coisinha - disse - já estava pensando que sua mamãe é louca por querer você, mas talvez não seja tanto assim...

Cutuquei minha barriga antes de erguer os olhos para mamãe novamente e a vi pressionar os lábios.

-Então você já tem alguém - ela suspirou - ao menos tem garantias de que é uma boa pessoa?

Senti meu sorriso crescer.

-Sem dúvidas, mama. Esse bebê já é amado mais que qualquer outra coisa no mundo.

With All My Love ( PRIMEIRA TEMPORADA) Onde histórias criam vida. Descubra agora