45 - Ação de Graças

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Tyler Hills

Desde a revelação de minha mãe eu sequer consegui deixar o meu quarto. Dias e noites isolado do mundo lá fora, ignorando qualquer chamado em minha porta. As palavras da minha mãe já não tinham mais a força de me confortar, muito menos os poucos áudios que escutei de Natan. Esse era um momento que eu precisava estar na mais completa solidão até mesmo do garoto. Não conseguia pronunciar uma palavra que fosse ou comer algo, mesmo que meus pais insistissem com o argumento de que logo eu adoeceria. Dito e feito, no segundo dia apenas jogado em minha cama eu já sentia o meu estômago fincando em meu corpo, implorando por comida. Seu desejo foi negado por três dias seguidos, ajudando em minha tarefa de me manter paralisado em minha cama. Eu não mexia um músculo sequer por várias horas e só levantava quando realmente precisava ir no banheiro e não aguentaria mais um segundo que fosse. Eu basicamente entrei em uma violenta briga com o meu corpo, satisfazendo apenas a sua vontade de adormecer para diminuir a sensação de fome que no segundo dia eu já estava acostumado o suficiente para seguir com minha loucura.

Esses dias foram os que mais pratiquei as minhas emoções reprimidas, não derramei uma lágrima que fosse ou senti um pingo de tristeza. Apenas vesti, inúmeras e inúmeras vezes, a minha armadura rígida que não permitia que um mínimo sentimento penetrasse em seu metal gélido. O Tyler que eu era foi morrendo aos poucos, sendo cada vez mais ferido e chutado para o canto. Aquele Tyler brincalhão e alegre já estava em seu leito de morte e nada sobraria dele. A partir do momento em que eu saísse desse quarto, a única face existente minha seria uma fria e irritante, um Tyler que já desistiu de tudo. E cada dia que passei nesse quarto escuro eu tive ainda mais certeza disso. No primeiro dia, senti o brilho de todas as minhas memórias felizes desaparecendo e dando espaço para pequenos detalhes desagradáveis que agora assumiam quase a maior parte dessas lembranças. No segundo dia, me perguntei repetidas vezes quantos dias eu sobreviveria após o falecimento de minha mãe. Um? Dois? O melhor palpite eram quatro se Natan ficasse vinte e quatro horas ao meu lado. No terceiro e quarto dia, decidi que sequer sairia desse quarto se não fosse para um carro de funerária. Eu entreguei os pontos do jogo. É, eu sou fraco para cacete.

-E ai, amigão - Meu pai entra em meu quarto sem ao mínimo bater como fez no dia passado. Ele sempre mantinha a esperança de que eu poderia dizer algo que o acalmasse sobre o meu estado. Isso nunca aconteceu, mas não o impediu de seguir tentando.

Assim como da última vez, eu mantive o mais completo silêncio e o único detalhe que ele recebia de mim eram os meus olhos centrados em sua figura sentada na borda de minha cama.

-Hoje é o Dia de Ação De Graças, e a gente gostaria que você passasse com a gente... - Meu pai pede, esboçando o seu sorriso que já parecia estar esvaziado de esperanças que pudesse ver-me bem novamente. Isso é o que mais embasa o meu ponto de que nunca mais seria o mesmo. Se até o meu pai, uma das pessoas mais esperançosas que eu conheço, não conseguia se manter otimista, como eu conseguiria?

-Ou então eu posso trazer o seu prato aqui. Só... come alguma coisa, Tyler. Você sabe que tá ferrando o seu corpo sem comer né? - Eu sabia muito bem disso, e talvez até fosse o meu grande objetivo.

-É, acho que você não vai falar nada comigo - Meu pai desiste. Meu pai desiste de algo em sua vida. Isso sim era assustador sobre o estado em que eu estava. Cheguei num ponto que não encontrava forças para dizer uma palavra que fosse. Eu não era forte como meu pai e Mia que estavam voltando a vida deles para cuidar da mamãe. Eu estava, mais uma vez, sendo um filho da puta que falha quando as pessoas mais precisam de mim.

-Oi - A figura de Natan aparece em minha porta, escorando-se nela antes que decidisse fechá-la.

As esperanças de que Natan seria o suficiente para que eu levantasse dessa cama e fosse comer eram as mesmas que as minhas. Do fundo do meu coração, eu esperava que ele fosse capaz de cumprir o que se propunha a fazer.

Toxic Love (Continuação disponivel no perfil)Onde histórias criam vida. Descubra agora