1- A Festa

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Natan Scott

Traumático, repleto de surtos, problemático, depressivo, irregular e infernal. Não sabia o que mais descrevia o meu ensino médio, já não aguentava mais tudo isso. Por sorte, já estava em meu último ano, o que significava que estava há meses de me livrar desse show de horrores.

Sinceramente, não sabia se isso seria de fato o fim dos meus problemas. É, isso estava longe de sinalizar o fim de toda a minha tortura diária. Até meus 17 anos, já tinha perdido minha mãe para o câncer, meu pai tinha virado um alcoólatra fracassados e a minha saúde mental já não existia mais há um bom tempo. Tudo parecia uma grande competição em minha vida sobre qual evento traumático conseguiria ser o mais destrutivo. Tinha sido tudo tão difícil e desgastante, e a única certeza que tinha é que ficaria ainda pior, era apenas questão de tempo. Quando eu estive no fundo do poço, o chão se cedeu aos meus pés e despenquei por centenas de metros. Não existiam limites ou alívios quando se tratava da minha vida. Todos os dias eram como uma interminável batalha com um único questionamento: também sobreviverei a esse? A resposta até hoje foi sim, e isso não me confortava nem um pouco.

É, mais um fato sobre a minha vida conturbada é que, quando se trata do pessimismo, ele sempre realiza as tragédias da maneira que espero, ou até pior. Eu estava certo sobre como tudo pode piorar. Nem mesmo em uma das minhas noites mais melancólicas e sentimentais eu poderia me proporcionar o luxo do silêncio. Tyler Hills não permitiria que isso acontecesse. Era como uma necessidade de sua sobrevivência o som ensurdecedor que ecoava pela milésima vez nesse verão. A música enjoativa dominava todo o quarteirão, e ninguém conseguia fazer algo a respeito. Nenhum cidadão de Asheville seria ousado o suficiente para denunciar o filho perfeito de Claire Hills, o perfeitinho e cobiçado Tyler Hills. Bem, como descrever Tyler Hills? Um tremendo babaca estereotipado que se encontra em todo colégio, ou até mesmo em um filme aclamado pelo clichê barato e desinteressante. Jogador do time do colégio, namora com uma líder de torcida, babaca, popular e, obviamente, sem um pingo de personalidade ou opinião própria. O seu jeito me irritava, seu modo de falar, de pensar, de se vestir, tudo nele me deixava extremamente incomodado. Apenas saber que alguém como ele tinha tudo aos seus pés quando quisesse já me aborrecia. Sim, talvez eu fosse um pouco hipócrita por querer queimá-lo em praça pública como era feito há alguns séculos sem conhecê-lo de fato, mas detestar que alguém tentasse o mesmo comigo. Eu detestava Tyler Hills e toda a sua vida perfeita sem precisar mover um único músculo para conquistá-la, enquanto eu, um mero mortal, vivia o meu prórpio inferno na Terra. É, a vida pode ser bem injusta as vezes.

  As músicas abafadas que explodiam em sua casa atraiam a minha atenção até a fresta da minha persiana em que eu espiava tudo o que acontecia. Todo aquele amontoado de pessoas entrando pela porta do meu vizinho, todas as risadas e gritos histéricos de adolescentes desesperados por um pingo de atenção. Tudo funcionava como uma perfeita sinfonia disposta à me tirar do sério, especialmente em uma noite de domingo. Justamente no último dia antes de retornarmos para o colégio. Os convidados de Tyler eram o puro extrato do que eu seria obrigado a aguentar por um ano inteiro. Nesses momentos, perfurar os meus tímpanos com os lápis arremessados em minha escrivaninha não pareceu a pior ideia.

Sou retirado do meu transe de ódio ao sentir a vibração do meu celular sobre a minha cama, o pego em um instante e deslizo a tela para ler a mensagem. Era de Luke, meu melhor amigo há anos.

  "Vem aq p casa p me ajudar a arrumar umas coisas? Pago seu Uber :)"

  "ta :)"

  Não sei porque tínhamos essa mania retardada de mandar emoticons ao final de cada frase, já era algo comum em nossa amizade. Mas bem, esse costume não era a única coisa que despertava interrogações em minha relação com Luke. Sinceramente? Eu não fazia ideia do porquê de Luke andar comigo. Tudo bem que éramos amigos desde o primeiro ano, mas somos completos opostos. Luke consegue se destacar em tudo que faz, e agora, indo para o time de futebol do colégio, os holofotes estarão ainda mais virados para o seu entorno, de forma que me pego roendo as unhas ao pensar na facilidade que eles poderiam cegá-lo. Luke sempre se deu bem com as garotas, fazendo com que ele fosse considerado um dos galãs do colégio. Claramente, agora que todo o seu destaque se multiplicaria por 10 ao entrar no time, minha insegurança já me preparava para que eu fosse deixado de lado, com certeza ele faria novos amigos. Nada me mostrava que existia uma chance disso ocorrer, mas as vozes em meu subconsciente não perderiam a chance de me importunar.

Toxic Love (Continuação disponivel no perfil)Onde histórias criam vida. Descubra agora