As luzes amarelas chamavam mais atenção do que as estrelas no céu... e as estrelas não eram poucas.
As ruas asfaltadas ainda eram tomadas pelo silêncio, mesmo que a alegria transbordasse os corações pequenos, encolhidos e aquecidos na segurança dos peitos que tomavam cuidado até mesmo para inspirar e expirar, no ato que sequer consideravam seu direito — porque até mesmo a palavra parecia distante, quem dirá seu significado.
A menina, menor que o tamanho do palco pequeno posto logo em frente à única abertura visível da tenda grande e, aparentemente, pesada, abriu os silenciosos passos largos para apressar a proximidade. Mapeou com os olhinhos curiosos os desenhos em amarelo brilhante, contrastando com o azul real.
Tinham raios, e estrelas, e centelhas, e uma porção de sóis, e de luas, todos eles emoldurando uma... Ferradura de cabeça para baixo?
Ela franziu as sobrancelhas fininhas, tombou a cabeça até que a bochecha gordinha encontrasse o ombro. Chegou a se afastar um pouco, se virar de costas, olhar de ponta cabeça por baixo do bracinho erguido e com a coluna quase que completamente curvada.
Estava tão concentrada em entender o traço curvo do desenho, que se assustou quando enxergou, acima do palco, o par de botas sujas de lama.
Elas já estavam ali, quando ela chegou?
Se virou devagar, erguendo os olhinhos com cuidado, os passando pelas calças brilhantes e com tecido abundante, a camisa branca por baixo do colete listrado de azul e creme. Hesitante, deu mais alguns passos para trás, por medo de qualquer movimento ser repreendido por um dos pais — que deixou para trás pouco mais cedo quando deu início a sua corrida silenciosa demais para uma alma tão jovem.
Mas eles também estavam ocupados, se atentando ao mesmo homem de postura ereta e olhar frio demais para alguém que pudesse ser considerado um ser vivo.
O homem de cartola, bem posicionado sobre o palco pequeno, segurava uma bengala de ponta prateada em formato de um corvo. Era altivo, e mesmo os movimentos de seu respirar eram tão delicados a ponto de ele parecer inexistente. Era estático, parado e quase fúnebre.
Ganhava facilmente todos os olhares da multidão vasta e silenciosa, livre do menor dos murmúrios.
Tinha todos atentos, e apenas quando ele notou isso, o rosto inexpressivo tomou um sorriso aberto. Escancarado como se estivesse ali desde o início, apenas não notado antes. A aura repentinamente alegre fazia, de forma inconsciente, abrir todos os outros sorrisos em cada rosto presente, quebrando as expressões cansadas dos corpos exaustos pelo dia árduo de trabalho apesar da estranheza de quem oferecia o gesto amistoso.
Quando a menina aos seus pés, assustada como ainda estava, olhou em volta à procura dos pais, ele a notou. Sorriu de forma menos aberta — escondendo os dentes amarelos. Se abaixou com cuidado, os dedos da mãos direita acarinhando o corpo esguio da bengala que, por um curto período de tempo, pareceu se manter de pé sozinha; a mão livre se estendeu em direção ao corpo pequeno que deu mais alguns passos para trás até se chocar contra a barreira que era o corpo do pai.
O homem robusto e de pele amendoada pousou as mãos em ambos os ombros minúsculos, sorriu em aprovação quando a pequena procurou por seus olhos, somente então os olhinhos brilhantes da filha voltaram a fitar a mão estendida como oferta.
— Vá, querida. — A mulher, a mãe, disse assim que tomou o marido em seu abraço. — Pode confiar nele.
O olhar amedrontado pareceu perder a intensidade do temor. Um passo trêmulo foi dado para frente, e depois mais um, e mais meio, até que os dedos pequenos estivessem em direção à palma exposta.
Quando a mão grande se fechou, firme sobre a sua no aperto gradual e cuidadoso, a menina ainda se assustou e pensou em correr de volta para os pais. Mas então ela sentiu o que todos sentiam, apenas por encarar aquele sorriso estranho daquele moço.
Era como inspirar uma porção de ar rarefeito, quase fazia cócegas em seus pulmões.
Ela sentiu que poderia confiar nele. Qualquer fração, de qualquer assunto.
Ele a puxou com força quando notou o mínimo sorriso em correspondência ao seu. Logo teve as pernas pequenas encaixadas em torno de seu pescoço, e se ergueu animado para também erguer os braços com a menina agarrada em seus cabelos, gargalhando pela agitação.
E é mesmo fácil assim que os humores mudam, em qualquer cidade em que a tenda azul real em seus detalhes amarelos é armada: Como mágica.
Todo o cansaço, todo o silêncio, todo o sofrimento, são banidos ali: na plateia. Quando os olhos atentos se prendem nas acrobacias, nas danças, nas falas, nas mágicas... No espetáculo. E então, pelo menos por aquele curto intervalo de tempo, as mentes exaustas se desprendem da realidade cansativa e desgastante, sem ao menos perceberem.
Naquela noite, enquanto a vila pequena de ômegas e betas assistiam ao show em meio a palmas, gritos e risadas — sem medidas como não costumavam ser. Eles não perceberam muitas coisas.
Não perceberam que, um pouco mais distante do amontoado das casas humildes e degradadas, subindo o início da colina onde as ruas asfaltadas — repletas de rachaduras — se findavam para dar lugar á estrada de terra grudenta pela chuva da última noite, um rastro furta cor brilhava sempre que a luz da lua se desvencilhava do que ainda restava das nuvens pesadas no céu. Seguia pela estrada e subia até o casarão bem iluminado e robusto, de onde vinha o cheiro bom de comida que tão bem contrastava ao cheiro do esgoto exposto mais próximo do subúrbio.
Uma faísca desceu dos céus, parecia camuflada entre as estrelas. Fez seu caminho silencioso até pousar na trilha que se incendiou ao mínimo toque. O rastro furta cor, então, inflamou cada molécula, carregando o fogo colorido rumo ao casarão de forma tão silenciosa quanto eram os passos dos ômegas rumo ao circo mais cedo.
A explosão, no entanto, foi ensurdecedora. Apenas não superando os gritos de alegria de todos os que ainda se divertiam com o espetáculo, do lado de dentro da tenda
#CorvoPrateado
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Sejam todos muito bem vindos a "D.A."!
Como ainda estamos no prólogo, gostaria de deixar apenas alguns avisos importantes, caso não tenham se atentado aos deixados anteriormente.
Dinastia Alpha aborda uma porção de assuntos delicados, vou procurar deixar os avisos de gatilhos por todos os lados, então se sentir desconforto com algum dos assuntos retratados, por favor pule essa parte.
A grande primeira aparição está em jogo! Quem vocês acham que é "ele"?
Vamos começar a apostar.Estreia
01/09/2022
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Dinastia Alpha - Respeitável Público • Namgi (REVISÃO)
Fanfiction[1° fase em conferência] Depois de tomar o poder através do chamado "Grande Abate", alphas de más intenções se mudaram para o ponto cardeal mais alto do mapa, onde proclamaram o período que ficaria conhecido como "Dinastia Alpha". A realidade devas...