02. Psicólogo.

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— Você está melhor? — Meu irmão perguntou enquanto calçava seu tênis preto.

— Estou sim. — Eu não estava.
— Agora vá pegar sua mochila para não se atrasar.

O menino terminou de calçar o tênis e depois se levantou para buscar sua mochila.

Rapidamente, peguei meu celular e disquei um número que há muito não discava.

— Hannah? Quanto tempo minha querida! — Ouvi uma voz suave do outro lado da linha.

— Olá senhorita Samantha. — Comprimentei a mulher. — Estou ligando pois gostaria de ter o seu serviço novamente.

— Está tudo bem com você? — Ela perguntou preocupada.

— Não é para mim, gostaria de levar meu irmão em algumas consultas com a senhora. — Suspirei.

— Seu irmão parecia tão bem desde a última vez que o vi.

— Digamos que eu só preciso entender alguns pensamentos dele. — Declarei, ouvindo a mulher concordar.

— E você tem certeza de que não vai precisar de um tratamento também? Parece meio agitada. — Me acusou.

— Como eu disse, estou muito bem senhorita Samantha. — Forcei uma risada na esperança dela acreditar.

— Entendo querida. Bom, podemos marcar uma consulta na quarta feira, tudo bem para você?

— Claro! Nos vemos quarta então.

— Beijos querida. — A mulher desligou o celular e assim eu pude notar meu irmão parado me olhando.

— Você vai me levar a um psicólogo de novo? — Ele parecia indignado com aquilo. — Quantas vezes vou ter que te dizer que não preciso disso?

— Maninho, todos nós precisamos de um psicólogo. Até mesmo um psicólogo precisa de um psicólogo. — Falei para o menino, vendo ele erguer suas sobrancelhas. — Todos nós temos problemas.

— Então porquê você também não vai? — Ele perguntou com a sobrancelha arqueada.

— Eu não tenho tempo para ir em um psicólogo. — Disse, vendo ele apertar seus olhos na tentativa de me intimidar.

— Eu também não tenho tempo para ir em um psicólogo. — Ele revirou os olhos, me fazendo rir. — Eu sabia que era uma péssima idéia te contar sobre os meus sonhos. Você sempre acha que eu estou maluco.

Na verdade, o fato de eu sempre levar o menino ao psicólogo, era por conta do medo que eu sentia dele crescer traumatizado com as coisas que viu. Não era fácil para uma criança de cinco anos ver os pais de outras crianças e saber que nunca terá nada disso.

Eu sei que agora ele era um rapaz de doze anos e que podia lidar melhor com a situação. Mas se prevenir era sempre bom.

— Um psicólogo é como um amigo. — Falei, tentando convencer Henry.

— Eu não preciso de amigos. — Declarou de maneira fria.

— Viu! Você precisa trabalhar melhor esse seu lado antissocial. Um psicólogo irá te ajudar bastante nisso. — Mais uma vez revirou os olhos como se aquilo fosse estúpido.

— Podemos ir para escola? Esse assunto está me cansando. — bufou indignado.

— Um dia você ainda vai me agradecer por cuidar tão bem de você.

— Um dia ainda vou te socar, isso sim. — Deu de ombros, saindo pela porta logo em seguida.

Entrei no carro vendo o menino encostar sua cabeça no banco e observar a janela onde uma criança passava com um homem e uma mulher. Ele examinava os três com um sorriso meio triste nos lábios.

— O que houve? — Perguntei fazendo ele voltar sua atenção para mim.

— Como nossos pais morreram? — Ele soltou de repente, fazendo meu coração errar uma batida. — Talvez eu tenha sonhado isso tudo por não saber como eles morreram.

Essa era uma pergunta que eu sempre fugia de responder. Nunca disse a ele a trágica morte dos nossos pais. Eu não estava preparada para dizer aquilo e tenho certeza que ele não estava preparado para ouvir aquela história.

— Estamos atrasados para a aula Henry. Coloca o cinto. — Mudei o assunto, ligando o carro o mais rápido possível.

— Por que você sempre foge dessa pergunta? Foi tão horrível assim? — Ele apoiou a cabeça na janela.

— Foi. Foi horrível Henry. Afinal, toda morte é horrível.

Há sete anos atrás

— Eles vão demorar muito para tirar meus pais de lá? — Eu dizia desesperadamente pela terceira vez.

— Eu não sei meu anjo. — O bambeiro me colocou dentro do carro.

— MAMÃE! PAPAI! — Assim que o homem fechou a porta, pude ver eles sendo carregados cada um em uma maca.

— Eles estão mortos... — Um homem alto com um jaleco branco falou com um olhar de preocupação.Não há nenhuma chance de viverem. O fogo consumiu tudo.

MAMÃE NÃO! — Arranquei o cinto de minha cintura, e corri em direção a maca onde o corpo da minha mãe estava.

— Alguém segura a menina! — Um homem gritou e pude sentir uma pessoa agarrar meu braço. — Calma garotinha.

— Me larga! Eu quero ver meus pais! — Eu gritava enquanto via eles sendo colocados em uma ambulância. — Eles me deixaram aqui sozinha... — Uma lágrima escorreu pelos meus olhos. Com certeza foi uma das lágrimas mais doloridas de toda minha vida.

— O fogo está alto! — Um dos bombeiros gritou enquanto tentavam apagar o fogo.

Uma enorme nuvem de fumaça se apossou do céu. O ar que deveria ser puro, agora era totalmente contaminado.

— Moço... meu coração está doendo tanto. — Foram minhas últimas palavras antes de desmaiar em seus braços.

...

Passei no mercado antes de deixar Henry na escola. O garoto deixou bem claro que para sobreviver na escola, ele precisava de alguns aperitivos.

Não pegou nada que preste. Apenas chicletes e balas.

Acabei pegando alguns bombons e dois pacote de bis. Eu era totalmente apaixonada por bis.

Assim que cheguei na universidade, estacionei meu carro no estacionamento e corri para conseguir aproveitar melhor o tempinho que ainda me restava antes das aulas começarem.

Estava muito feliz por ter conseguido essa bolsa, pois eu havia me esforçado muito para chegar até aqui. Prometi a mim mesma que não ia descansar enquanto não conseguisse uma bolsa.

Cada gota de suor, cada lágrima, cada sono perdido... valeu a pena.

Entrei no grande lugar tendo a visão completa de vários armários pelos corredores. Me sentia em um filme americano onde eu era a principal e a qualquer momento alguém iria esbarrar em mim pedindo desculpas e recolhendo os meus livros caídos.

É, talvez seja melhor parar um pouco de ver filmes.

— Você é a aluna Hannah Brown? — Assenti ao ouvir uma mulher mais velha dizer meu nome. — Seja bem vinda em nossa universidade. Caso precise de algo, pode me pedir que estarei a sua disposição! — Sorriu, amigável.

O Amor Pode CurarOnde histórias criam vida. Descubra agora