Prólogo

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"A vida inteira estive pronta para fugir, sempre pronta para perseguir a minha liberdade sem me importar com os riscos ou com quem sairia machucado.

Ah, Liberdade! Uma palavra tão forte e simbólica que é impossível definir completamente, mas todos a querem. Todos querem ser livres, independente do que significa, e eu não sou diferente.

Eu a queria com todo o meu ser e lutaria para tê-la contra quem fosse necessário. Eu ,minha mochila de sobrevivência e meu pirulito bastariam, e nada mais importaria. Porém, apesar de acreditar fielmente nisso, eu sempre voltava para a mesma casa, para os mesmos lugares e para as mesmas pessoas. Eu fugia dos meus monstros todos os dias só para reencontrá-los por opção na manhã seguinte. Andava em círculos entre sonhos e ansiedades, fugindo de algo que nem eu mesma sabia o que era e buscando a tão falada liberdade

Pela minha noção deturpada do que era isso, eu fui capaz de conquistar tantos problemas quanto era possível, sem nunca estar pronta para enfrentá-los realmente.

Veja bem, minha vida foi rondada pela sombra de quem era Suyen Ryuguji, a puta da cidade. Desde sempre já esperavam que eu fosse igual a ela, que eu aceitasse meu destino patético e me tornasse a nova garota que eles poderiam fazer o que quisessem. Eu estive presa a esse maldito fantasma por toda a minha vida.

Bem, eu nunca daria o que eles esperavam. Então, sempre arrumei as mais divertidas confusões para provar que eles estavam errados. Provar a todos eles que eu era livre para agir como quisesse.

Garota problema. Delinquente. Putinha. Vadia. Eram apenas alguns doces apelidos que me chamavam sem mesmo terem trocado uma palavra comigo, apenas por agir como eu bem queria.

Parecia que não importava o que eu fizesse, não importava se o cara que eu bati era um valentão ou que eu fiz o melhor desenho de toda a escola, eu sempre seria vista como eles queriam que eu fosse, mesmo que eu esfregasse na cara deles que eu podia fazer o que eu queria.

Mas Ele não me viu assim. Ele viu por baixo de tudo isso. Ele viu quem eu era de verdade quando o título de vadia encrenqueira era retirado. Acho que ele foi o único naquela droga de lugar que conseguiu fazer isso e pela primeira vez eu senti que, talvez, o que eu fazia não era ser livre. Por isso doeu tanto quando ele disse tudo aquilo. Doeu quando ele me colocou contra a parede e disse todas aquelas verdades que eu me recusava a ver e jurei serem mentiras. Doeu perder o meu maior apoio quando eu sentia meu mundo cair depois daquele tortuoso dia.

Então, eu fugi.

Fugi para o lugar que eu sabia que seria aceita, mesmo que por pouco tempo. Fugi para o lugar que eu sempre fugia quando aquela cidade me sufocava ou meus problemas ficavam grandes demais para eu conseguir lidar. Eu fugi para a liberdade de Tóquio.

Eu fiz de Tóquio o meu refúgio, o único lugar que eu poderia ir mesmo que o mundo estivesse acabando. Lá eu sabia que seria amada como nunca fui e me sentiria segura como nunca senti, afinal, ele estava lá.

Com aquela altura imensa e a tatuagem de dragão, ele sempre estava pronto para me acolher até que minhas feridas cicatrizassem e eu estivesse pronta para voltar. Ele não questionava o que eu fazia ou como eu fazia, apenas me dava o tempo que eu precisava e me comprava pirulitos. E você estava lá, como tantas vezes, com seus sorrisos fáceis e olhos vazios. E estar ali, com vocês, sempre foi o mais fácil a se fazer. Eram os únicos momentos que eu queria eternizar na memória e não esquecer nunca mais.

E droga, era tão fácil ficar ali que eu não sentia vontade de perseguir a liberdade que eu tanto acreditava precisar. Eu me sentia incrivelmente livre mesmo que amarrada a vocês.

Mas então, tudo acabou naquele dia. Naquela noite chuvosa em que eu acordei assustada com trovões e minha mente inquieta me fez ver o que estava na frente dos meus olhos desde sempre.

O que ele me disse se revelou uma amarga verdade.

E mais uma vez, eu fugi deixando o rastro de destruição característico. Afinal, eu era só a garota problemática que vocês tinham que lidar quando aparecia em Tóquio, no fim, o que eu achava ser a liberdade que ele me deixava ter era apenas uma grande mentira. Mas dessa vez, eu tive que deixar algo que eu realmente me importava pra trás, você e tudo que nós construímos em algumas semanas.

Eu sabia que seu ego sairia ferido, eu sabia que fazer aquilo era um caminho sem volta e com muitas consequências. Mas eu também não podia ficar depois de perceber aquela incontestável verdade. Eu precisava tentar me proteger, mesmo que custasse o seu ódio. No fim, mais uma vez, eu senti que a nossa liberdade só existiria se eu fugisse.

Então, eu aceitei minha derrota e fugi para nunca mais voltar e atormentar vocês em Tóquio.

Depois disso, tudo se desenrolou para o momento atual. Festas, bebidas, corridas e assaltos. Eu me tornei o que eu quis ser e como eu quis ser. A liberdade passou a ser minha melhor amiga e os laços passaram a não me importar mais. Os lugares perderam o brilho e meus refúgios já não existiam.

No fim das contas, nada além de mim, dos meus desejos e da minha sobrevivência valiam a pena e se já iam me taxar de vadia por causa da minha mãe, eu seria a rainha das vadias então. Pouco me importava.

Eu seria livre e ninguém iria me impedir.

Mas então, minha incrível capacidade de entrar em confusão agiu como uma grande traidora mais uma vez e eu me vi perdida. Uma escolha errada destruiu todo o meu frágil castelo de cartas e tudo desmoronou como num piscar de olhos. A paz e a liberdade que eu achei ter conquistado ficaram em risco. Eu fiquei em risco.

E como se fosse novidade, eu fugi.

Eu corri para Ken-chin mais uma vez, pedindo pra ele limpar minha merda e me salvar. Não importava os sentimentos verdadeiros dele no fim, eu só queria sobreviver e contava que ele tivesse o mínimo de consideração por sua irmã.

E com isso, tudo veio à tona.

Você, seu sorriso charmoso, suas palavras provocativas e os malditos olhos distantes. Você todo estava lá, esperando para jogar na minha cara que eu era uma vagabunda covarde e egoísta, ao mesmo tempo que o melhor lado que eu podia oferecer era exposto e você se encantava por ele mais uma vez.

E ali eu soube que você poderia me destruir ou poderia me salvar de mim mesma. Eu soube finalmente, o que era a liberdade e onde ela sempre esteve.

Sabe, se eu olhasse para o passado hoje, eu veria onde tudo começou. Onde a verdadeira história da minha vida e a perseguição por ser livre começou.

Não foi no dia que vocês me ensinaram a brigar, ou quando eu arrumei briga com uns valentões mais velhos e ele estava lá, ou muito menos no dia que eu transei com você.

Não, não foi em nenhum desses momentos.

Tudo começou ali, naquele dia que eu ganhei um bendito Pirulito de Cereja."

Kiyomi Ryuguji

Kiyomi Ryuguji

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Pirulito de CerejaOnde histórias criam vida. Descubra agora