Capítulo 14

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Kara deu um passo desafiante, prensando-a contra a fuselagem.

— Você ficaria; horas tentando descobrir onde fica o quê. Eu sei onde estão as coisas de que precisamos, e posso pegar elas em minutos. Se você parar de discutir.

— Então eu sou a pessoa ilesa e vestida apropriadamente e sua médica, mas você é a especialista sobre este helicóptero e nossa sobrevivência no deserto. Viu? Temos responsabilidades iguais. Assim, nós duas ficaremos aqui, tralhando juntas para cortar os esforços e o tempo pela metade.

— Você é maníaca por controle, não?

Lena levantou e baixou os ombros indiferentemente.

— Só um consegue reconhecer outro, não é?

Os lábios de Kara se abriram em um sorriso arrebatador.

— Pode apostar.

E, embora Lena ainda estivesse em perigo mortal, e a luz de emergência lançasse sombras sinistras sobre o rosto de Kara como se expusesse alguma entidade sobrenatural escondida dentro dela, Lena não se lembrava da última vez em que se sentira tão... Energizada.

Estranho como a companhia fazia toda a diferença, quando a situação permanecia a mesma.

E Lena não poderia ter sonhado com uma companhia melhor para estar em perigo mortal.

Sim, era verdade.

Agora ela concordava. Lena na verdade ansiava pela terrível e possivelmente perigosa experiência que a esperava. Ela sempre se saíra bem em situações difíceis e desafiantes, mas nunca estivera sequer perto desse nível de perigo. Com Kara ao seu lado, tudo parecia ser possível. E realizável. E... Prazeroso?

Ela balançou a cabeça, como se pudesse expulsar tal pensamento ridículo. Como algo poderia ser prazeroso nesta situação?

Ela não tinha ideia como. Mas, racionalizações à parte, estar com Kara estava transformando aquele pesadelo na experiência mais estimulante da vida dela.

Lena a observou enquanto ela retorcia o último pedaço protuberante de metal, aumentando a abertura improvisada, Kara então se afastou, gesticulando para ela.

— Apresente-se para fazer as malas, minha obstinada gota de orvalho.

O coração de Lena batia acelerado. Ninguém, nem mesmo seus pais, jamais a trataram com tanto carinho. Uma mulher poderia se acostumar a isso

— Essa é sua retaliação por tê-la chamado de mula teimosa, entre outras coisas? — Lena disparou, precedendo-a naquele espaço apertado e se ajoelhando no chão irregular do que restava do compartimento de carga.

Kara se abaixou encarando-a, começando a procurar por itens. Após pegar uma jaqueta térmica, ela lhe respondeu:

— Posso estar me sabotando ao dizer isso, já que você pode querer parar com eles, mas aqueles não foram insultos. Vindos de você, eles possuem o efeito do mais... Intimo carinho.

Os olhos de Kara não deixavam dúvidas do que aquilo significava. Lena quase engasgou ao imaginar o corpo de Kara se enrijecendo em resposta às palavras dela, a ela...

Lena fingiu tossir, acenando para ela

— Tente novamente. Você é à prova de insultos, como já disse.

— Você se lembra? — Kara parecia desproporcionalmente feliz ao ouvir isso. — Aih, eu nunca tive um ego sensível. E a maioria dos insultos são mentiras ou exageros, tentativas de se mostrarem superiores. A minha melhor resposta a insultos é deixá-los passarem despercebidos.

Ela fingiu estar estupefata.

— Quer dizer que as pessoas ousam tentar insultá-la?

— Tenho uma irmã mais velha. Ela é muito... Intensa. Estou acostumada a insultos. Mas você só me ofenderá se não confiar em mim, ou me temer.

O coração de Lena deu um solavanco devido à repentina seriedade nos olhos de Kara. A mistura de advertência e súplica só á fez querer zombar dela novamente. Instintivamente, Lena sabia que ela dizia a verdade. Que ela jamais perdoaria isso. Que isso seria a única coisa que a feriria.

E, mesmo se ela dissesse a si mesma que a situação de Lex contrapunha tudo o que Kara fizera por ela, que ela fizera tudo pelas informações vitais que ela queria extrair e manter em segredo, seu senso de justiça a impedia. Kara fora sincera quando dissera que não tinha nada a ver com a prisão de Lex. E Lena não acreditava em culpa por associação. Se ela quisesse continuar com a confiança, teria de admitir algo mais.

Que ela não queria machucar Kara. De maneira alguma.

Baixando o olhar e engolindo seu veneno, Lena ajudou-a a retirar as mochilas e a cortar os cintos de segurança que ainda prendiam os engradados nos destroços.

— Tem uma coisa que eu não consigo entender. Como você não aceita elogios à sua beleza, meu orvalho de jasmim?

Lena guardou garrafas de água e pacotes de rações secas dentro das mochilas.

— Daqui a pouco você vai me chamar de docinho de coco.

Uma risada ecoou de seu peito massivo.

Kara abriu outros engradados e organizou armas, sinalizadores, lanternas, baterias, bússolas e outros itens em duas mochilas.

— Posso lhe garantir, nunca chego nem perto de nada doce, exceto em emergências. Para uma reposição rápida de calorias, por exemplo.

— Espero que não precisemos disso, já que você já planejou tudo, sendo uma cavaleira do deserto.

— Com certeza. E esta cavaleira do deserto está falando para você fechar sua mochila e ajudá-la a empacotar nossas acomodações.

— Esta coisinha é a minha? — Lena encarou a mochila de Kara. Era quase tão grande quanto ela. — E esse monte é a sua?

— Tenho quase o dobro do seu tamanho, e posso carregar quatro vezes ou mais que você.

— Olha, isso está ficando repetitivo. Não vou deixar que você, arrebente as minhas suturas.

— Achei que elas fossem minhas. — Antes que a ânsia de dar um soco em Kara se transferisse para o braço dela, Kara adicionou: — Se eu não conseguir carregá-la, eu aviso.

— É claro. Depois que contar que avistou o primeiro porco voador.

— Mas, como eu sou uma mula teimosa, sou perfeitamente qualificada para carregar bagagens. — Antes que Lena pudesse argumentar, Kara tomou-lhe o rosto com as mãos. A gentileza de seu toque quase a fez entrar em colapso. — Obrigado por se preocupar comigo. Mas já passei por coisas piores, e treinei por mais de um quarto de século para aguentar as piores condições. — Ela sorriu. — Provavelmente por mais tempo que você esteve neste planeta.

Aquilo a tirou do transe.

— O quê? Eu não lhe disse que sou médica há anos? Você acha que eles dão licenças médicas a crianças?

— Eles dão, aos prodígios.

— Bem, não sou um prodígio. Faço 36 anos em agosto.

— Impossível. — Kara parecia genuinamente surpreso.

— Pode acreditar.

Com um último olhar, Kara voltou a organizar as mochilas.

Depois, Kara fez um trenó com os restos do helicóptero e utilizando algumas cordas como arreios. Nele, colou uma barraca de armar, seus aposentos, como ela a chamara uma pilha de cobertores, sacos de dormir e colchões.

Lena imitou-a passo a passo, seguindo suas orientações, antecipando suas necessidades como se estivessem trabalhando juntos há anos em perfeita harmonia. E sentiu aquela sensação avassaladora de sincronia novamente, a mesma que sentira quando ela a observara tratando de seu ferimento.

Como provocar uma princesa Onde histórias criam vida. Descubra agora