One more time, One more change

Partida

 Foi uma decisão impulsiva dormir na casa de Mamoru. E assim como essa decisão carecia de racionalidade, Ash não considerou todos os pormenores da questão.

Enquanto descia as escadas, abria o portão e se dirigia até a rua, varreu mentalmente algumas das principais problemáticas. Em primeiro lugar, Mamoru visitava os pais e, atualmente, Ash sabia mais do que nunca que o Japão ainda era um país muito conservador no que dizia respeito aos costumes, de modo que não pegava bem mulheres dormirem no mesmo teto que homens, quiçá no mesmo quarto. A segunda questão que martelava os pensamentos dele, remetia-se à noite anterior.

Afinal, como Mamoru reagiria depois dos beijos?

Ele suspirou enquanto apertava a campainha da amiga, aguardando com ansiedade.

Na noite anterior, muitas coisas irracionais haviam acontecido. E o que particularmente lhe perturbava era o fato de que Mamoru estivesse mais magoada do que nunca. Se colocando no lugar dela, como seria beijar a pessoa que você gosta, sabendo que não poderá ter mais nada com ela? Para ele, seria como provar uma doçura divina. Simplesmente viciante. Depois disso, nada mais se compararia, de modo que viveria em eterna abstinência.

Isso não era pior do que a rejeição?

Realmente, a noite anterior havia sido um erro.

E para Ash, ele estava localizado na pior posição possível. O fato era que Mamoru gostava do seu namorado, mas Eiji não sabia disso, de modo que ele estava no escuro sobre ter magoado a amiga de infância. Mas Ash sabia disso e sua única escolha era observar, já que não revelaria arbitrariamente os sentimentos de outra pessoa..

Mamoru falou pelo interfone com Ash, autorizando-o a entrar.

Ele respirou aliviado. Como era Ano Novo, ele tinha o receio de que não encontraria um bom quarto de hotel para alugar.

Ash teve sorte, pois a amiga estava sozinha em casa. Ela revelou que seus pais haviam viajado pela manhã, planejando visitar um templo que ficava em outro distrito. Eles ficariam na casa de parentes e não voltariam pelos próximos três dias.

Para a surpresa do americano, Mamoru reagiu de modo indiferente à noite anterior. Sempre que puxava o assunto, a garota sorria com leviandade nos lábios, enfatizando que frequentemente havia passado por situações semelhantes não apenas com amigos homens, mas também com amigas mulheres. E que beijar Eiji, apesar de ainda nutrir sentimentos por ele, não significava muito para ela.

Apesar de Eiji ser uma doçura divina para ele, Ash percebeu que não era o mesmo para Mamoru. Ele relaxou com essa constatação.

Mamoru não pressionou o amigo, mas depois de jogarem alguns assuntos fora, ela não conseguiu evitar perguntar. Inesperadamente, Ash parecia pronto para revelar tudo. Na verdade, ele ansiava por isso. Depois de manter tanto para si, desejava despejar para fora cada palavra guardada. Mesmo sabendo dos riscos, ele contou cada detalhe.

Foi inevitável que um assunto fosse levado para outro. As palavras fluíram naturalmente. E Mamoru, que apenas queria entender o motivo de uma briga de casal, acabou se encolhendo no sofá ao saber como seu amigo de infância conheceu um gângster perigoso de Nova York.

Tudo parecia muito absurdo no início. E o que apresentava-se como uma história engraçada, passou a ser uma piada de mal gosto. Mas então, ela encarou aqueles olhos verdes, e viu a expressão complicada. Quando relatava linhas do seu passado, Ash transmitiu diferentes emoções: vergonha, raiva, frustração e também injustiça. Expressões que foram captadas por Mamoru.

Como alguém que estudou psicologia no curso de Direito, ela tinha uma compreensão maior na hora de identificar mentiras. Geralmente quando alguém mentia sobre o passado, não se envolvia emocionalmente com a história contada, mas não era esse o caso de Ash; especialmente porque o passado ainda era uma ferida em aberto para ele.