Incômodo

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Ash não desceu da árvore imediatamente após terminar de colocar as decorações natalinas. Perder tempo em cima dos galhos era meramente um artifício para se manter o maior período possível longe da presença de Nagai, e também era um modo de esperar Eiji.

Enquanto isso, repentinamente lembrou de quando esteve com o fotógrafo em Cape Cod. Foram tempos felizes em que comeram bobagens o quanto puderam aguentar; nadaram até seus estômagos doerem; correram até sentirem cãibras; e subiram em tantas árvores quanto foi possível contar. Aquele tinha sido o melhor verão da vida de Ash. E pelas suas memórias, no futuro em que ele morreu, Eiji confortava-se nos momentos de maior tristeza pensando justamente naqueles longos dias ensolarados.

Entre recordações boas e ruins, o americano realmente não viu o tempo passar. Ele só saiu do transe quando escutou a voz de Eiji no portão. Em um pulo, desceu da árvore e foi receber seu japonês favorito

Antes mesmo do fotógrafo abrir o portão, Ash pôde ouvir outras duas vozes. Uma delas era a de Takeshi e a outra era de uma pessoa desconhecida.

– O que te causou essa impressão sobre mim?! Eu nunca fui comunista! Meus ideais são voltados para a social-democracia!

– E nunca conheci alguém que cursa direito ser comunista. – Brincou Eiji.

– Mas eu acabei de dizer que não sou comunista! E qual seria o problema em ser uma advogada comunista? Ser a favor do coletivo não exclui os direitos individuais de ampla defesa dos cidadãos.

Ash estava parado ao lado do portão. De braços cruzados e com a cabeça escorada no muro, ouviu a conversa interessado. Até que as três pessoas abriram o portão. – Oi. – Disse ele com bastante ênfase.

As reações foram variadas. O fotógrafo não se assustou; Takeshi esbugalhou os olhos; e, pega de surpresa, a pessoa até então desconhecida para Ash, deu um passo para trás.

– O que o senhor faz aí?! – Em tom inquisitório, Eiji colocou uma das mãos na cintura.

– Eu estava te esperando para almoçar. – O americano reparou nas sacolas que seu amigo levava nas mãos. Se seu palpite estava certo, Eiji havia comprado presentes.

– Poderia ter comido sem mim, inclusive achei que já tivesse feito isso. Eu almocei com meu pai e minha amiga no shopping...

Ash ficou triste com a resposta, mas não demonstrou isso.

– A propósito, esta é Mamoru-chan. Nossa vizinha, minha amiga de infância e o futuro dessa nação. – O fotógrafo falou à última parte em um tom teatral.

– Não exagere, Eiji. – Sorriu Mamoru. – Apenas o futuro do judiciário japonês.

De frente a desconhecida, o americano pôde reparar melhor nela. A universitária era alta o suficiente para alcançá-lo usando salto; seus cabelos castanhos eram longos e cacheados, o que era algo raro entre japoneses; e suas roupas eram quase inteiramente pretas, causando uma impressão de seriedade. Descrevê-la como bela não fazia jus ao tamanho da sua beleza, mas se ater a isso era exageradamente fútil.

– Eu sou Ash Lynx. Apenas americano mesmo.

– Ninguém é tão desinteressante para ser resumido pela sua nacionalidade, ainda mais uma estadunidense. Mas, me diga Ash-kun, você é republicano ou democrata? – Indagou Mamoru.

– Essa é uma pergunta difícil. Na verdade, eu vejo as instituições do meu país como falidas. Nossa democracia é de fachada, nossa política econômica mata e nossos valores morais são distorcidos. Sinceramente, não vejo salvação nem entre os democratas, muito menos entre os republicanos.

One more time, One more changeOnde histórias criam vida. Descubra agora