Traumas

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Enquanto caminhava rumo ao banheiro principal da residência Okumura, Ash não temia topar novamente com Nagai, pois sabia que o empresário já havia feito seu movimento de intimidação naquela noite.

Em todo caso, tomou todo o cuidado possível ao entrar no banheiro, conferindo pelo menos duas vezes se o trinco estava bem fechado. Ele não iria dar oportunidade para o tio pervertido do seu namorado espiá-lo. Convencido de que não precisava mais se preocupar, finalmente ligou a torneira e deixou a água correr dentro da banheira, enquanto tirava suas roupas e se preparava para mergulhar o corpo na água quente.

Ash havia levado seu próprio kit de banho para o toalete da casa. Ele podia ser muitas coisas, mas não gostava de dividir produtos de higiene básica com outras pessoas. Assim, quando imergiu na água fumegante, alcançou seu sabonete de vanilla e começou o processo de limpeza, esfregando seu corpo de cima para baixo com bastante rigor. Depois, repetiu o processo por mais três vezes até se dar por satisfeito. Nesse ponto, sua pele estava coberto de espuma e ele já não podia ver mais se ver nu. "Melhor assim" pensou.

Entretanto, Ash ainda estava incomodado. Por isso, voltou a pegar sua esponja e sabonete. Higienizando todo corpo novamente, conduziu a limpeza ao pescoço e finalmente ao rosto. Ali, sua pele alva recebeu atenção mais do que redobrada. Ele esfregou, esfregou e esfregou mais uma vez sua face. Foi nesse momento que notou que estava usando muita força - seu rosto ardia. Isso foi o suficiente para sair do torpor em que se encontrava.

Com a consciência mais limpa, uma onda de sentimentos inundou-lhe. Frustração, raiva e nojo implodiam em seu âmago. Muito mais por impulso, do que por uma reação de cólera, reagiu jogando sua esponja na porta. Felizmente à superfície macia do objeto abafou qualquer ruído possível.

Como colocar em palavras suas emoções? Ele sentia nojo de si mesmo por ter sido tocado; raiva pelo atrevimento de Nagai; medo pelo futuro do seu relacionamento com Eiji; e, acima de tudo, culpa.

Culpa, pois esteve ao ponto de cometer uma loucura. Culpa, pois abriu uma ferida antiga e vergonhosa - sua natureza mais vil sendo exposta de novo. Pois não importava os giros que o mundo havia dado, Ash jamais poderia fingir que não era um assassino.

Quando Nagai encostou nele, imediatamente, mirou no pescoço do empresário e, por um instante, quase sacou um dos seus canivetes estrategicamente escondidos na roupa. Ash esteve ao ponto de matar o tio do seu namorado como se não fosse nada.

"E se eu tivesse feito isso? Eiji me perdoaria? Me odiaria?"

Era inevitável para ele pensar em todos esses cenários. O que não contribui nada para amenizar seus sentimentos negativos. Ash respirou fundo, mergulhou o rosto na água, emergiu e tentou pensar lucidamente. Depois de tudo, não adiantava ser irracional. Era preciso analisar a situação com minúcia.

A primeira coisa que ele tinha claro era que jamais se sujeitaria de novo. Desde que partiu dos Estados Unidos, Ash decidiu deixar seu passado para trás - ele jamais voltaria a ser o que era. E apenas dois dias atrás, havia prometido ao namorado que jamais faria do seu corpo moeda de troca novamente.

Por ele e por Eiji, Ash não cederia às investidas de Nagai, mas pensar assim, entretanto, não resolveria o problema. Como lidar com as ameaças de um pervertido? O americano sabia que elas não eram vazias. Havia malícia na fala de Nagai e isto precisava ser considerado.

Porém, naquele momento, ele não conseguia pensar direito. A situação era muito crítica, mas uma coisa Ash sabia: Nagai o desejava muito e se fosse minimamente esperto, seria cuidadoso com suas ameaças. Afinal, como esperaria intimidá-lo sem seu único trunfo?

One more time, One more changeOnde histórias criam vida. Descubra agora