Trinta e Um

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Nikolas deixou Yelena descansando no quarto,  ele havia lhe dado um copo com água e certificado que ela estava bem. O homem subiu para o convés, já não era visível o pedaço de terra, agora eles estavam cercados por água azul.

Nikolas foi para perto de Callman que estava na ponta da frente do navio, observando o horizonte.

- Coronel...

- Eu não vi nada, não se preocupe.- ele olhou Nikolas.- Eu sei que você gosta da Montagov, com soro ou não. Sendo sincero é a primeira vez que eu a vi naquele estado, ela confia em você para mostrar o lado frágil dela.

- Eu sei.

- Não acho que ela fez aquilo só porque passou alguns minutos em um buraco completamente fechado, eu acho que isso foi um gatilho para algo que ela já viveu. Poderíamos ter evitado mas ela é uma mulher difícil, eu não sei nada sobre o passado dela. As vezes é difícil voltar a nossas memórias antigas.- ele olhou para frente.

- Eu me preocupo, não apenas por causa do soro mas...

- Você gosta dela, é normal se preocupar com as pessoas que amamos.- Nikolas assentiu.- Eu vim de um vilarejo pequeno no oeste, como já deve saber eles são mais conservadores e querem manter as antigas tradições. Antes de eu ir ao exército e me tornar coronel, eu conheci um garoto, filho de um dos guardas do vilarejo. Conversamos, viramos amigos mas um sentimento a mais cresceu em mim, por sorte quando eu me declarei, ele retribuiu e começamos a nos encontrar em segredo.

"Porém um dia, a filha do sacerdote do vilarejo nos viu juntos e foi aí que o caos começou. Nós dois fomos espancados e expulsos do vilarejo, meus pais não fizeram nada com medo de serem mortos, o pai do garoto nem olhou na cara do próprio filho. Eu e ele fomos para o exército e trabalhamos, ele virou um soldado da marinha e eu virei coronel. Hoje, ele é meu esposo há quase vinte anos e quando estamos longe sempre nos comunicamos por cartas."

Callman olhou novamente para Nikolas, ele sorriu fraco de alívio porque não viu nada na expressão do soldado que mostrasse sinais de preconceito.

- Todos temos algo a esconder, mas quando chegar a hora, a verdade é revelada. Eu não me envergonho de quem eu sou, contanto que eu tenha pessoas que me apoiam ao meu lado.

- Obrigado, senhor.

- Sempre é bom escutar conselhos de alguém mais velho.- Callman sorriu de lado e Nikolas assentiu.

Nikolas se afastou e deixou Callman sozinho olhando o horizonte, saudade invadiu o peito do coronel ao pensar no seu marido.

⚔️

Nikolas ficou longe de Yelena durante a maior parte do dia, a mulher não havia saído do quarto. Nikolas queria deixar ela respirar e ter um tempo para si mesma, ele não sabia se ela o queria por perto depois de ter a visto em um momento tão vulnerável.

O homem abriu os olhos e tirou o travesseiro do rosto, na cama de baixo Atlas roncava tão alto que não deixava Nikolas dormir. Normalmente era suportável mas hoje estava demais.

Nikolas saiu do beliche sem acordar Atlas e deixou o quarto carregando seu travesseiro, ele andou até onde ficava as redes perto da escada para o convés. Nikolas deitou em uma das redes, cruzou as pernas e braços, virou o rosto fechando os olhos tentando dormir.

Ele abriu os olhos novamente com alguém balançando a rede.

- O que está fazendo?- Yelena disse com a voz baixa, ela segurava a rede.

- Atlas está roncando, não tem mais quartos então prefiro dormir aqui.- a mulher riu.- O que você está fazendo acorda?

- Fui beber água e te vi saindo do seu quarto. Será que a rede aguenta dois?

- Não sei, só testando.- Yelena subiu na rede e deitou ao lado de Nikolas, não havia muito espaço então seus corpos estavam colados.

Os rostos próximos, Yelena colocou a perna direita em cima das pernas de Nikolas, não houve nenhum barulho suspeito que indicasse que a rede iria cair.

Eles se encararam, as duas cabeças no travesseiro, Nikolas colocou o braço em cima da cintura da mulher.

- E os seus ferimentos?

- Eles não doem tanto e não iram abrir.

- Lena, posso te perguntar algo?- Yelena suspirou.

- Eu sei. Desculpa pela minha...crise.

- Isso tem haver com o que você me disse? Sobre os duques?- ela engoliu a seco.

- Sim, quando eu era...escrava deles, eles tinham um jeito de me educar. Se eu quebrasse algo ou não fizesse algo que eles queriam, eles me trancavam em uma caixa de madeira e me mantinham lá. O dia todo ou se eu tivesse sorte apenas pela noite toda.- Yelena parou de falar por alguns segundos.- Era angustiante, uma tortura. Ficar horas em pé sem comida ou água, olhando para a madeira escura na sua frente e sentindo cada membro do seu corpo doer porque não podia se mexer.- ela fechou os olhos, Nikolas se aproximou e beijou a ponta do seu nariz fazendo ela abrir os olhos.- Pensei que eu tinha superado, mas aparentemente não.

- Desde que eu me lembro, eu vivi com medo.- Nikolas diz.- Todos os dias eu tinha medo da guarda real invadir minha casa e levar minha família, tinha medo deles descobrirem que meu pai era areniano, medo deles levarem minha mãe ou minha irmã. Quando meu pai morreu, o medo continuou, uma voz dentro de mim falava que eles iriam descobrir e iriam matar eu e minha família.

- Nik...

- Eu e minha irmã temos sangue areniano em nossas veias, no momento que estamos vivendo agora, qualquer coisa já é necessária para causar ódio. Eu posso ter nascido em Moldova, crescido lá, falar e ter a mesma fé, mas se eu dizer que tenho descendência Areniana, eles me matariam.- Nikolas olhou Yelena, ele sentiu um alívio por ter falado, parecia que aquilo estava preso dentro de si.- Todos temos medos, Yelena. Pequenos ou grandes, eles nos assombram até hoje. Você chorar não significava que é fraca, mas sim que você é humana.

- Obrigada por me lembrar.- ela riu.- Eu não irei deixar que nada aconteça com você, eu faço o inferno no mundo se isso acontecer.- Nikolas sorriu.

- Fico lisonjeado em saber que tenho a proteção da megera Montagov.- disse a provocando, não queria mais vê-la triste.

- Me chame de megera e eu arranco sua língua.

- Duvido que faria isso, ela tem tantas utilidades.- Yelena riu, uma risada baixa mas que fez o coração de Nikolas acelerar.

O homem a beijou, Yelena fechou os olhos, a  mão direita dela foi para a lateral do rosto de Nikolas.

Era a primeira vez que ela se sentia protegida desde a morte de Erwin, era difícil ter relacionamentos longos, normalmente tinha casos de apenas uma noite.

Mas com Nikolas era diferente, ela queria ficar com ele, queria que a guerra acabasse logo para ter paz com ele ao seu lado.

O Chamado de GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora