Samantha Cordeiro
Sentada na minha confortável cama, deslizava suavemente minhas pernas pela meia três quartos, parte essencial do meu uniforme escolar.
Aquela era a tediosa rotina de uma típica adolescente de quinze anos: acordar exausta todas as manhãs às seis horas, vestir o uniforme impecável, dar um beijo afetuoso no porta-retrato da minha querida mãezinha, tomar um café rápido e partir a pé para o colégio. Nos últimos meses, papai havia vendido o nosso carro, e a caminhada matinal se tornara obrigatória.
Enquanto eu seguia pela casa, a mochila nas costas, o corredor silencioso revelava a tranquilidade familiar. No entanto, naquele dia em particular, algo estava diferente. À medida que alcançava o corrimão de madeira polida da escada que levava ao primeiro andar, vozes exasperadas ecoavam de algum lugar nos fundos da casa, roubando minha atenção repentinamente.
Curiosa e preocupada, avancei cautelosamente em direção aos sons, me perguntando o que poderia estar acontecendo.
Interrompi meu trajeto, imersa em curiosidade, tentando localizar a origem das vozes através da minha audição aguçada. Lentamente, desci as escadas, seguindo o som que se intensificava a cada degrau. As vozes pareciam ecoar do porão, um espaço proibido onde meu pai havia montado seu pequeno escritório pessoal e passava a maior parte do seu tempo.
A verdade é que o porão sempre foi um mistério para mim. Meu pai nunca me permitia entrar lá, e mesmo quando ele não estava em casa, a porta estava sempre trancada com um cadeado robusto que até mesmo bombeiros experientes teriam dificuldade em abrir. Era um local inexplorado, envolto em segredos e mistérios.
Movendo-me com cautela, me aproximei do cômodo, dando passos lentos e silenciosos. Cheguei perto da porta do porão e colei minha orelha nela, desejando ardentemente captar fragmentos das conversas que ecoavam lá dentro, na esperança de desvendar o que estava sendo discutido.
– Você está louco, vendê-la? – pude ouvir uma voz desconhecida e grave gritando com meu pai.
– Não, eu não estou vendendo-a – respondeu meu pai em um tom tenso.
Um riso forçado preencheu o ar.
– Me pedir dinheiro e envolvê-la nisso é o mesmo que estar vendendo.
– Eu não sei mais o que fazer, Marcelo. Eu preciso de dinheiro, estou sendo ameaçado. Você não entende, cara...– a voz do meu pai soava aflita, como se fosse uma questão de vida ou morte.
– Você não tem caráter, João? – A outra voz retrucou com ainda mais ferocidade. – Onde está sua dignidade?
– Shhh. Fale baixo, não queremos que ela escute – suplicou meu pai.
– Eu não acredito que me fez vir até aqui para ouvir isso – resmungou a outra voz.
– Eu não tenho mais escolha. Estou devendo muito dinheiro, tenho medo de...
– De quê...? – A voz interrompeu meu pai. – De alguém fazer mais mal a ela do que você já tem feito? Olha para seu estado! Você nem mesmo respeitou a memória da...
Meu pai interrompeu a outra voz de forma assertiva.
– Se você não quiser me ajudar, tudo bem, mas eu não admito que fale dela e muito menos que insinue que eu a desrespeitei.
– Eu não vou mais ficar aqui ouvindo isso.
As vozes se silenciaram por um momento. Talvez fosse a hora de afastar a cabeça da porta e encontrar um lugar seguro na casa. No entanto, antes que eu pudesse reagir, a maçaneta girou e a porta se abriu. A imagem que presenciei me deixou paralisada, incapaz de reagir imediatamente.
O homem imponente, com sua estatura alta e um porte atlético que denotava força, parecia ter em torno de trinta anos. Seus olhos azuis claros fixaram-se em mim por longos segundos, como se estivesse me avaliando ou buscando algo em sua própria consciência. Sua pele pálida contrastava com uma barba rala que contornava seu rosto, conferindo-lhe uma aparência perfeitamente desenhada. Mesmo sendo mais velho do que eu, transmitia uma aura de juventude intrigante. Ele era inegavelmente atraente.
Enquanto meus olhos percorriam seu corpo musculoso, contido em uma camisa justa, notei que seu olhar fixo permanecia paralisado sobre mim. Incapaz de me mover ou até mesmo saudá-lo, percebi que havia certa raiva expressa em sua face.
Parecia que ele iria simplesmente passar por mim e partir, mas para minha surpresa, ele deu meia-volta e adentrou novamente o porão. A porta se fechou abruptamente diante de mim, como se me negasse a entrada. Dali, pude ouvir sua voz direcionada a meu pai, carregada de uma impaciência contida:
– Mudei de ideia. Quanto você quer?
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O preço da Liberdade
RomanceCom o desaparecimento súbito de seu pai, Samantha Cordeiro se vê na residência de Marcelo Medeiros, um enigma de homem cujo passado sombrio está intrinsecamente conectado ao dela. Em meio a um turbilhão de temores e suspeitas, um amor inesperado flo...